Não somos racistas?

“Ser de esquerda hoje é ser crítico em relação a todas as formas de dominação, sobretudo às sutis.” (Pierre Bourdieu)

Essa semana, reparei que tinha um monte de gente indignada com o deputado gaúcho Edson Portilho, autor de uma lei que permite a tortura indiscriminada de animais. Terrível!

Ora, terrível mesmo é gente que sai repassando qualquer coisa sem checar a informação. Bastaria fazer uma busca na internet para descobrir que a lei realmente existe, mas foi aprovada em 2003 (atrasadinha essa “indignação”, né?) e que ela não autoriza tortura em animais, mas sim versa sobre a utilização destes em rituais de religiões de matriz africana. E além disso, Edson Portilho não é mais deputado desde 2006 (e era apenas estadual) – atualmente, é vereador em Sapucaia do Sul. Ah, e se é lei, quer dizer que passou por votação parlamentar, então é uma estupidez atacar apenas ao autor, pois outros deputados também votaram favoravelmente.

Pode-se muito bem discordar da lei, que permite o sacrifício (sem que seja de forma torturante) de animais voltados à alimentação humana. Mas é dose ter de aturar desinformação.

E pior ainda, é que não percebo tamanha “indignação” com questões mais atuais – e mais perigosas. Como os crescentes ataques à laicidade do Estado brasileiro, e mesmo à democracia, por parte de deputados como Jair Bolsonaro e pastores evangélicos.

Afinal, é graças a esse pessoal que as mulheres não têm direito a abortar, que homossexuais sofrem constante discriminação (e também são atacados fisicamente, e mesmo assassinados), que criticar piadas preconceituosas é considerado “patrulha ideológica”, que defender “minorias” estabelece uma “ditadura”… Tudo em nome de uma tal “família brasileira” (formada apenas por brancos, heterossexuais e cristãos; e obviamente “chefiada” por um homem, jamais por uma mulher), além, é claro, da velha dupla “moral e bons costumes” (quem definiu o que é “moral” e o que é “imoral”?).

Aí, se tenta aprovar uma lei que prevê a criminalização da homofobia, e vêm os caras dizer que “é um atentado à liberdade religiosa”… A mesma liberdade que têm os seguidores de religiões afro-brasileiras de expressarem a sua fé. Se sacrificar animais em um ritual religioso é “maldade”, por que uma pregação religiosa cheia de ódio ao diferente não é?

Mas, segundo Ali Kamel, não existe racismo no Brasil… E o pior é que não falta quem acredite nisso.

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A “indignação” contra Edson Portilho não é novidade: em abril de 2010 o ex-deputado já fora atacado no Twitter por conta da mesma lei “da tortura aos animais”. Comprova-se assim o que disse Sérgio Porto (mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta) em seu livro “FEBEAPÁ 1 – Primeiro Festival de Besteira que Assola o País”, escrito na década de 60:

“A maior inflação nacional é de estupidez.”

7 comentários sobre “Não somos racistas?

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  2. Ser de esquerda hoje também é ver racismo em tudo. E ser contra a igreja católica mas defender todas outras. Eu particularmente não gosto de nenhuma.

    Mas brincadeiras a parte, a revolta com a tal nova lei foi totalmente descabida mesmo.. aposto que a maioria que foi contra come carne diariamente.

    Mas sério, concluir que alguém é racista só por protestar sobre esta lei é rotulação, não tens como afirmar isso.

    • Menos, Felipe…

      Não vejo racismo em “tudo” como afirmas, mas percebo que nessa questão há, sim, uma certa dose de preconceito – afinal, se tratam de religiões de origem africana. Por que se quer regrar os seguidores destas religiões, mas se for das outras vira “ataque à liberdade religiosa”? Não podemos achar que racismo é apenas a discriminação aberta e oficial (como se via na África do Sul do apartheid e também em vários Estados do sul dos EUA). É preciso desvendá-lo em suas sutilezas (não citei Bourdieu por acaso). Pois muitas vezes nós cometemos atos racistas sem nos darmos conta disso. Além de outros tipos de preconceito…

      Quanto às religiões, aí concordo totalmente contigo. :D

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