O meu 2022

Pela primeira vez em muito tempo, não publiquei meu tradicional texto de balanço do ano que se encerrava em seu último dia. O principal motivo foi não ter começado a escrevê-lo antes: pretendia fazê-lo na noite de 29 de dezembro, mas o falecimento do Rei Pelé tomou toda a minha atenção; meu pai faz aniversário no último dia do ano e assim a noite anterior foi de churrasco pensando no abraço à meia-noite. E no 31 de dezembro de 2022 simplesmente não parei.

No fim, foi até melhor. Veio o 1º de janeiro de 2023, e enfim a posse de Lula para pôr fim ao pesadelo que foi o (por assim dizer) governo Bolsonaro. O pior presidente que o Brasil já teve fugiu sem se dignar a passar a faixa a seu sucessor; mas de certa forma acabou sendo melhor assim, pois a entrega por parte de representantes do povo brasileiro a Lula foi linda e simbólica do que representa este terceiro mandato dele. Será um imenso desafio reconstruir um país que vinha sendo saqueado desde 2016 (pois tudo isso começou com o golpe contra Dilma naquele ano), e procuro não me iludir com as lembranças da bonança que vivemos nos dois primeiros mandatos de Lula.

O primeiro dia de 2023 foi, de certa forma, o ato final de 2013, visto que o inferno pelo qual passamos começou com a captura das manifestações daquele ano pela direita.


A eleição presidencial foi, sem dúvida alguma, o momento definidor de 2022. Caso Bolsonaro tivesse sido reeleito, provavelmente eu estaria falando de um ano “trágico”, tal qual foi 2018 (que no aspecto pessoal esteve longe de ser ruim, ainda que também de ser dos melhores). Como a maioria do povo (ainda que por estreita margem) optou por Lula, podemos respirar aliviados: o país se livrou de mergulhar numa ditadura que poderia fazer 1964 parecer “brincadeira de criança”.

2022 foi o ano no qual conheci a covid-19 “de perto” – digo, com o vírus no meu corpo. DUAS VEZES: uma em fevereiro e outra em novembro. Felizmente, ambos os casos foram leves e, que eu saiba, não transmiti para ninguém. E pensar que tem gente por aí dizendo que vacina não funciona… Estar imunizado com a terceira dose (em fevereiro) e com a quarta (novembro) certamente fez toda a diferença – ainda mais que felizmente não tenho comorbidades. Em compensação, no final de junho tive um resfriado (doença para a qual infelizmente não existe vacina) que me deu muito mais congestão nasal que as duas vezes que peguei covid SOMADAS.

As vacinas ajudarem a preservar minha saúde é uma das razões pelas quais nada tenho a reclamar de 2022. No aspecto pessoal, aliás, foi um belo ano. Viajei pela primeira vez desde 2019 (em 2020 e 2021 não o fiz por conta da pandemia de covid-19) e também pela segunda: em janeiro fui à Praia do Cassino por poucos dias; em março fui a Curitiba e Florianópolis, retornando a Porto Alegre no começo de abril. Voltei à Arena do Grêmio após afastamento de quase dois anos imposto pela pandemia (poderia ter retornado ainda em 2021 mas esperei até 2022). Já que falei de futebol, o Grêmio voltou aos trancos e barrancos para a Série A mas no último dia do ano anunciou Luis Suárez (ou seja, entra MORDENDO em 2023). Teve Copa do Mundo para fechar o ano “com chave de ouro”, com Messi jogando tudo o que sabe e mais um pouco para ajudar a Argentina a conquistar a taça pela terceira vez, trazendo-a de volta a América do Sul após 20 anos.

O ano de 2022 foi também de aprendizados em termos profissionais, muito por minha opção de mudar de setor no trabalho. Falo tão mal daquela galera “coach” que fala em “sair da zona de conforto”, mas ironicamente fiz isso – no caso, pedi para sair da unidade onde trabalhava desde 2016 – e não me arrependo nem um pouco.

Não acho que 2022 tenha sido o melhor ano da minha vida. Mas foi o melhor desde, pelo menos, 2015, ano que quando acabou considerei como ruim mas hoje em dia percebo como fundamental para o que sou hoje, pessoal e profissionalmente. Até entendo que muita gente tenha achado ruim, pesado, por conta da política, mas se pensarmos no resultado final, dá para dizer que valeu a pena. E para mim, valeu demais.

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A um mundo que acabou

Melhor meme de 2012

21 de dezembro de 2012, 22h

É uma noite de sexta-feira, mas estou em casa defronte ao computador, me divertindo com memes sobre mais um “fim do mundo”. Obviamente é mais um momento de dar risada, visto que passei por vários “fins do mundo” e continuo aqui.

A “culpa” é dos Maias, cujo calendário se encerra hoje. Soube disso no segundo semestre de 2005, quando cursei a disciplina de História da América Pré-colombiana na faculdade, e na hora imaginei que sete anos depois estaríamos nos divertindo com mais um “fim do mundo”, ainda que o término do calendário maia signifique na visão deles o fim de um ciclo e não de tudo.

Dá para pensar: qual ciclo estará se encerrando? O que virá depois será melhor ou pior? Não tenho como saber…

Para além do Facebook, é bom dar uma olhada na caixa de e-mails, volta e meia chega alguma coisa importante ali. E é estranho o que vejo na caixa de entrada: um e-mail cujo remetente sou eu mesmo. Essa porcaria não deveria ter caído na caixa de “spam”?

O título do e-mail é estranho: “2012–2022”. E então percebo o mais bizarro: ele tem como data o dia 21 de dezembro de 2022, ou seja, é como se tivesse vindo “do futuro”.

Vou abrir, mas com cuidando para não clicar em qualquer link estranho.


2012–2022

Como certamente já percebeste, eu/tu mesmo sou/és remetente e destinatário deste e-mail. Sim, é engraçado.

Mas não estamos no mesmo tempo, como pode ser percebido pela corretíssima data no cabeçalho: escrevo e envio esta mensagem na noite de 21 de dezembro de 2022, uma quarta-feira, três dias após a final da Copa do Mundo do Catar — sim, ao contrário do que imaginavas que ia acontecer, a FIFA não mudou a sede da Copa, e sim o período dela, do meio para o final do ano. E, acredita, isso será legal demais. Ainda mais após tudo o que passamos nos tempos recentes — que para ti ainda são “futuro”, e não iniciarão exatamente após o “fim do mundo” que por aí está divertidíssimo, mas não tardarão muito.

Não tenho como contar exatamente o que irá acontecer, pois isso poderia fazer (caso alguém acreditasse no que escrevo, obviamente) com que tudo mudasse e aí sim o espaço-tempo poderia entrar em colapso. Mas posso dar links do que virá, espero que funcionem mesmo antes de serem publicados.

Uma coisa óbvia é que o mundo não acaba aí — tá mais arriscado alguém morrer de rir dos memes do que sendo atingido por um dos “aerolitos” que soterram o Chapolin. Ainda que de vez em quando alguns possam cair na Terra e até causarem estrago, especialmente na Rússia (não por nenhuma preferência por vodca, mas sim por ser apenas o maior país em área territorial).

E se o fim do mundo não for causado por um “aerolito”? É bem mais plausível que o fim não seja “cataclísmico” como retrata (ou “sonha?”) a indústria dos “filmes-catástrofe”, mas sim que aconteça aos poucos, num longo e penoso processo histórico cujo início só seja definido quando temos suficiente distanciamento temporal dele.

O mundo não acaba aí e nem é o 21 de dezembro de 2012 o marco inicial do processo histórico que vivemos em 2022 — trata-se apenas de uma efeméride que recordo pela passagem de uma década. Alguns sinais do que vem pela frente já estão por aí faz vários anos, outros chegarão em pouco tempo, até que as coisas definitivamente sejam tiradas do lugar.

Vários sinais estão na política — de cuja “previsibilidade” daí de 2012 eu sinto muita falta aqui na década que se passou. Aliás, o principal deles me faz lembrar da famosa frase “a bola pune” dita pelo Muricy Ramalho para fazer uma analogia com o que virá. Aprendemos da pior forma possível que tem consequências deixar impune um deputado que merece cassação. Tal qual a bola, o voto pune. Acho que não preciso dizer o nome — tem vários posts no meu/teu blog falando das barbaridades de tal criatura.

Sim, imagino o pensamento aí em 2012: Bolsonaro vai virar presidente? Como isso pode ser possível?

Até acho que dá para tentar evitar sem causar o colapso do espaço-tempo, pelo menos em termos de Brasil. Impossível que as coisas sejam piores caso outro candidato vença a eleição de 2018. O problema é que o Bolsonaro será apenas mais um de uma tendência mundial — sendo que algumas figuras até já estão no poder lá na Europa, e só serão percebidas mais adiante.

É verdade que o Bolsonaro vai perder a reeleição em 2022 (sim, estou feliz agora quando mando essa mensagem), mas o estrago que ele causará… Vai ser uma tarefa dura reconstruir este país, mas quero acreditar que será possível (até agora não recebi nada vindo de 2032). Não toma cicuta ao terminar de ler este e-mail, por favor.

Aliás, vale lembrar que cicuta não cura nenhuma doença, mesmo que comecem a espalhar por aí que sim. Esse será outro grande problema mais adiante: uma galera começará a dizer que a Terra é plana (!!!), mas pior ainda será quem fala o absurdo de que vacina faz mal… Vacina!!! Lembra que falei do fim do mundo poder vir aos poucos e não de uma forma cataclísmica? Pois então, olhamos muito para pedras gigantes no espaço quando o fim pode já estar escondido aqui na Terra. (Dica: aproveita muito o ano de 2019.)

Falei muito de fim do mundo e seus sinais: políticos bosta, coisas escondidas na Terra, e deves estar se perguntando sobre o aquecimento global. Afinal, ele parou? Bom, te digo que com o Bolsonaro na presidência só aumentou a preocupação do mundo com a devastação da Amazônia e suas consequências para o clima mundial, o que já dá uma pista. Aliás, adiantando um fato pessoal: em pouco mais de três anos escaparás de um desastre climático pelo simples fato de mudar de cidade (sim, Porto Alegre não é tua/minha casa pela vida inteira).

Comecei esta mensagem citando a Copa de 2022, mas acredito que aí em 2012 a tua curiosidade (e a de todo mundo) é sobre quem ganha no Brasil em 2014. Não vou contar pelo simples fato de que ninguém vai acreditar mesmo.

E encerro falando de política: para um pouco de chamar o Alckmin de “picolé de chuchu”. É sério. Aqui em 2022 eu nunca critiquei ele.


22 de dezembro de 2012, 9h

Que doideira esse sonho que tive. Ora, e-mail do futuro… HAHAHAHAH!

E olha os papos do maluco se passando por mim no futuro. Bolsonaro presidente do Brasil? Que diarreia mental é essa? E que história é essa de Alckmin? Mais uma enquete sobre novo técnico do Inter?

E ainda dizendo que ninguém acreditará no que vai acontecer na Copa de 2014… Seria algo extraordinário, totalmente impossível, tipo o Brasil perder uma semifinal de 7 a 1? É fácil dizer que “veio do futuro” e não falar nada sobre daqui um ano e meio, né?

E ainda enchendo o e-mail de links. Até parece que sou idiota de clicar neles e encher meu computador de vírus, né? Já basta os resfriados que pego ao longo do ano! Ah, se tivesse vacina para eles…

Perdendo datas redondas e poder de compra

Se em 2 de novembro eu não esqueci de postar uma referência aos 10 mil dias do início da Copa do Mundo de 1994 (evento futebolístico máximo para boa parte da minha geração afora conquistas de clubes), um mês depois acabei passando batido. Mas por um bom motivo: estava na antevéspera de me mudar e assim rasgava boletos vencidos há tempos. Por isso não lembrei de vir aqui falar dos 10 mil dias de quando o Galvão gritou “É TETRAAAAA” abraçado ao Pelé, com o complemento de que a Seleção quebrava um jejum que já tinha 24 anos. (Detalhe: 17 de julho de 1994 está distante de nós mais de 27 anos, ou seja, mais perto da magia de 1970 do que dos dias atuais; e lá se vão quase 20 que não celebramos um Mundial vencido pelo Brasil.)

Dentre os boletos que eu rasguei enlouquecidamente no dia em que deveria ficar lamentando os DEZ MIL DIAS DE SAUDADES da Copa com a qual ainda sonho de vez em quando, estavam faturas do cartão de crédito pagas em 2014. Sim, antes de minha mudança para Ijuí (2015), e mesmo de outro Mundial inesquecível – apesar dos tristemente famosos 7 a 1.

O fato de ter toda essa papelada inútil guardada sem necessidade (por que guardar boletos pagos há SETE anos?) me deixou menos impressionado do que os valores. Incrível como as coisas eram BARATAS em 2014.

Nas faturas do cartão de crédito, por exemplo, identifiquei as vezes em que fui assistir a jogos do Grêmio em uma lanchonete (fechada há um bom tempo) na frente de casa. Lembro bem que costumava pedir um xis ou um cachorro quente, e (pelo menos) uma cerveja de garrafa (600 ml). A maioria das vezes em que identifiquei pagamentos com o cartão no local, a despesa era de menos de 20 reais.

MENOS DE 20 REAIS.

Hoje em dia só a cerveja sai por pelo menos 14 reais. E só um xis, nunca mais comi por menos de 20.


Nosso poder de compra caiu absurdamente nos últimos sete anos. Lembro de quando me mudei para Ijuí e fui procurar apartamento para alugar: a maior dificuldade foi ESCOLHER um dentre as opções boas e baratas que tinha (interior costuma ser mais barato que capital); no final estava entre dois imóveis excelentes, ambos com dois quartos, e fiquei com um que tinha sacada (que saudades).

Hoje em dia, com o meu salário, eu nem chegaria perto de poder ir morar num apartamento como aquele escolhido no início de 2015. Tanto em Porto Alegre como em Ijuí.

Ficaram mais caros aluguel, condomínio, gasolina, pão, arroz, feijão, carne, cerveja etc. E os salários, quando não ficaram estacionados no mesmo lugar, não subiram no mesmo ritmo. Só caíram a Dilma (por um motivo que definitivamente não se justifica, ainda mais diante do horror atual) nosso poder de compra e a imagem do Brasil perante o resto do mundo.

O “mea culpa” que mais espero

Muito se cobra a esquerda (em especial o PT) para que faça uma autocrítica. Concordo tanto que inclusive gosto de lembrar que boa parte das pessoas que conheço de tal lado do espectro político já a fez. Eu mesmo venho fazendo há muito tempo.

Os governos de centro-esquerda do PT cometeram muitos erros, ainda que isso não apague seus acertos, que foram em muito maior número. Milhões de pessoas saíram da pobreza extrema (agora infelizmente estão voltando a ela por culpa de decisões tomadas nos últimos cinco anos) por conta de políticas de inclusão social promovidas pelas administrações petistas, foram abertas muitas universidades país afora, e na política externa o Brasil foi respeitado como poucas vezes em sua história (em compensação, agora…). Da mesma forma que as opiniões lamentáveis sobre política e a clara decadência do futebol do Grêmio nos últimos dois anos não me fazem querer “cancelar” Renato Portaluppi, que como jogador ganhou a Libertadores e o Mundial (com direito a marcar os dois golaços da vitória) em 1983; como treinador, tirou o clube de uma fila de 15 anos sem títulos de peso em 2016 ao vencer a Copa do Brasil, e em 2017 ganhou mais uma Libertadores, a terceira da história gremista. (Achei boa a saída, tanto para o próprio Renato como para o Grêmio.)

O “senso comum” associou o PT à “corrupção”, e considero um erro enorme que o partido não tenha agido com firmeza contra ela. Outro, tão grande e que teve o primeiro como uma de suas consequências, foi a política de alianças pela “governabilidade”, visto que era preciso ter uma forte base aliada no Congresso e a esquerda não tinha maioria. Foi ela que nos “legou” Michel Temer, ainda que isso não justifique a traição dele, que conspirou para virar presidente aliado a quem perdeu nas urnas em 2014.

Quem precisa ainda mais fazer autocrítica é a direita liberal – algo do que já falei aqui. Em especial, no tocante a algo que aconteceu há exatos cinco anos: a infame votação do impeachment na Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016, que mais adiante colocaria Temer na presidência. Foi um show de horrores digno de um livro de Stephen King. E que só aconteceu porque os derrotados de 2014 resolveram ganhar no “tapetão”, cansados de perder eleições.

Considerando a crise econômica na qual o Brasil estava entrando e o desgaste natural do PT após tanto tempo no governo, o mais provável é que, se não resolvessem tirar Dilma Rousseff na marra da presidência, em 2018 a oposição liderada pelo PSDB venceria com facilidade. Talvez com Aécio Neves (que quase ganhou em 2014), talvez com Geraldo Alckmin (com mais base eleitoral por ser de São Paulo). Jair Bolsonaro? Acredito que nem se candidataria: sem apoios de peso para sua candidatura, dificilmente abriria mão da mamata de ser deputado (desde 1991) sem fazer nada de útil pelo país.

Com a opção golpista, a direita liberal que a eleição de 2014 manteve na oposição passou a ser governo em 2016, sem votos. Virou também “vidraça”, levando as “pedradas” que o PT levaria sozinho até 2018 caso continuasse no comando do país. O resultado disso, somado à Operação Lava-Jato (que fez boa população da população achar que “político nenhum presta”), foi a eleição de Bolsonaro à presidência, que conseguiu engambelar uma penca de gente dizendo ser “contra tudo o que está aí” e com apoio (mesmo que em alguns casos só no segundo turno) de quem conspirou pela queda de Dilma pois, afinal, “PT nunca mais”. O PSDB, que se tivesse respeitado as regras provavelmente teria sido o vencedor de 2018, viu Alckmin não receber 5% dos votos após dois mandatos consecutivos como governador de São Paulo, ambos conquistados com vitórias em primeiro turno.

Quando se confirmou o que qualquer pessoa bem informada sabia – ou seja, que Bolsonaro não tinha a menor condição de governar o país – boa parte de quem o apoiou “contra o PT” começou a “tirar o corpo fora”, culpando a esquerda – e não seus votos equivocados – pela eleição do pior presidente da história do Brasil. E dê-lhe pedidos de “autocrítica” para quem tanto avisou em 2018 que, ora bolas, não era boa ideia colocar no Palácio do Planalto alguém que defende torturadores, agressões a homossexuais e salários menores a mulheres “pois engravidam”.

Desculpem, mas essa fatura não é nossa. Afinal, não fomos nós que digitamos “17” na urna eletrônica. (Aliás, dois algarismos que em sequência formam o placar daquele famoso Brasil x Alemanha: um bom sinal de que seria motivo de vergonha para o país, mas que nesse caso é bem maior pois na Copa do Mundo era só futebol.)

Rumo aos 31 a 0

“Todo dia é um 7 a 1 diferente” virou gíria no Brasil de depois daquela fatídica semifinal da Copa do Mundo de 2014. E em muitos casos se usa aquele fiasco diante da Alemanha como comparativo para outras situações.

Foi o caso de um meme (no caso, um print do Twitter) que circulou no final de junho do ano passado. Terminava o primeiro semestre de 2020, e na época achávamos que tinha sido tão ruim que era fácil concordar que a última vez que a primeira parte de algo acabara tão mal o Brasil ia para o intervalo do jogo contra a Alemanha perdendo por 5 a 0. Lembro inclusive de meu comentário ao compartilhar o meme: “pela lógica, levamos só mais dois no segundo tempo e tomara que o ‘gol do Oscar’ seja o impeachment”. (Para ver só, eu nem contava com vacina tão cedo…)

O segundo semestre de 2020 não foi como o segundo tempo daquele Brasil x Alemanha. Afinal, em 2014 os alemães só fizeram mais dois gols. Houve um “gol do Oscar” que foi a vacina; o problema é que em time mal treinado o atacante não presta atenção à defesa adversária e vive impedido: o “gol de honra” acabou anulado, e perdemos por 11 a 0.

Mas foi uma derrota honrosa na comparação com 2021, cujo primeiro semestre (pelo menos no Brasil) se encaminha para ser a pior primeira parte de algo desde quando soou o apito encerrando a etapa inicial de Austrália x Samoa Americana, partida válida pelas eliminatórias da Copa de 2002 que completou 20 anos no último domingo e entrou para a história pelo registro da maior goleada em um jogo oficial entre seleções nacionais. No caso, o Brasil vestiu a camisa de Samoa Americana e a covid-19, a da Austrália, que foi para o vestiário pensando se era ou não o caso de recuar o time e segurar a vitória parcial de 16 a 0.

A “retranca” prevaleceu e os australianos “tiraram o pé” no segundo tempo, só marcando mais 15 gols. Placar final: 31 a 0.

Considerando que estamos na metade de abril, na comparação recém passamos a metade do primeiro tempo. Em Samoa Americana x Austrália, o oitavo gol dos “Socceroos” saiu aos 23 minutos e o nono, aos 25. Aos 27, já estava 10 a 0.

Diálogo com minha mãe

Assunto: os empresários que, tentando furar a fila da vacinação contra a covid-19, pagaram 600 reais e tomaram uma injeção de SORO FISIOLÓGICO.

– Será que era mesmo soro fisiológico? – questionou ela.

– Não se sabe, é preciso averiguar – respondi.

– Mas como é que podem ter acreditado nisso?

– Na ânsia de retomar a vida, as pessoas estão acreditando em tudo mesmo.

– Se me oferecessem qualquer coisa eu iria procurar saber se é de verdade antes de pagar.

– Mãe, não esquece que vivemos no país que elegeu Bolsonaro presidente.


Averiguaram e, de fato, era soro fisiológico. Dica motivacional do dia: se um dia você se sentir otário por qualquer motivo, lembre que teve gente pagando 600 reais por uma injeção dessas…

Em tempo: minha mãe e meu pai já tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19. Pelo SUS, respeitando a fila e sem precisar pagar nenhum centavo na hora.

Abril de 2021, 2020 ou 1964?

Muitas vezes já comentei que o tempo parece ter se acelerado desde o início da pandemia. Uma sucessão de dias muito parecidos uns com os outros que longe da “lentidão” que caracteriza a monotonia, em conjunto se tornam um “foguete”.

Parece que foi ontem que estive em minha última aglomeração, mas já faz mais de um ano. Quando chegou dezembro de 2020, a impressão era de estar “preso” em março, mês em que tudo parou.

Então veio 2021, passamos por outro março – muitíssimo pior que o de 2020 – e agora entramos no segundo abril pandêmico. Ano passado, foi o mês em que percebi a “aceleração do tempo”, o que só não faz parecer que simplesmente voltamos a abril de 2020 pois agora está muito pior.

Mas também há outros ecos do passado neste abril de 2021. Já faz quase 30 anos que a União Soviética saiu da geopolítica para entrar na história, e ainda há quem acredite em “ameaça comunista”. O que nunca existiu no Brasil, mas os defensores do golpe de 1964 (que completa 57 anos neste 1º de abril) defendem essa mentira com unhas e dentes (e alguns deles, com armas).

E agora, em meio à pandemia, temos um presidente que ao invés de fazer das tripas coração para comprar vacinas e preservar a saúde do povo brasileiro, prefere tramar um autogolpe contra os governadores, todos comunistas. (Atenção: contém ironia.)

Hoje já é 1º de abril de 2021, mas parece que 2020 não acabou. E no que dependesse do mitomaníaco que nos governa, estaríamos presos para sempre no Dia da Mentira de 1964.

30 mil, multiplicados por 10

Ontem, 24 de março de 2021, a Argentina lembrou o 45º aniversário do golpe militar que instaurou a mais sanguinária ditadura pela qual o país já passou. Em apenas sete anos de duração (1976-1983), o chamado “Processo de Reorganização Nacional” causou a morte e/ou o desaparecimento de aproximadamente 30 mil pessoas.

No mesmo 24 de março de 2021, o Brasil ultrapassou a marca de 300 mil mortes por covid-19. Desde o começo da pandemia o governo federal sabotou todas as medidas para combatê-la (distanciamento social, uso de máscaras e vacinação em massa) e ainda inventou um tal de “tratamento precoce” que em muitos casos só piora as coisas. Resolveu “se mexer” (mas só um pouco) quando seu principal adversário político voltou a poder concorrer à presidência.

A jurisprudência moderna argentina considera a morte e/ou desaparição de 30 mil pessoas em sete anos como um genocídio. Jorge Rafael Videla, general que chefiou a ditadura de 1976 a 1981, foi condenado à prisão perpétua e morreu na cadeia aos 87 anos, em 2013. E foi apenas um entre vários militares condenados por crimes contra a humanidade.

A omissão (para dizer o mínimo) do governo brasileiro fez (até agora) dez vezes mais vítimas que a pior ditadura da história argentina. E sete vezes mais rápido.


Lembram do que nosso atual presidente falou em 1999, quando era apenas um exótico deputado do “baixo clero”? Objetivo pessoal alcançado, dez vezes.

Adeus, Brasil?

Resolvi fazer uma enquete no Instagram sobre ir ou não embora do Brasil. Por enquanto, a emigração está vencendo de goleada…

Um dos votos “sim” é meu. Nunca tive tanta vontade de ir embora como neste momento desesperador pelo qual o Brasil passa. São três os fatores que me impedem: família, dinheiro (não tenho o suficiente para me manter por mais de dois meses fora) e pandemia (nenhum país que se preze deixaria entrar oriundos de um lugar onde o vírus corre solto).

A realidade, então, se impõe: não posso realizar minha vontade. Terei de ficar no Brasil.

Mas não ficarei “em vão”. Farei de tudo para sobreviver (na situação atual da pandemia isso não é exagero, só ver a quantidade de jovens sem comorbidades em UTIs) pois, quando isso tudo passar, pretendo pelo menos planejar uma mudança para o interior, onde o custo de vida é mais baixo.

E o fundamental: como graduado em História e testemunha de um genocídio em curso, passarei o resto da vida lembrando por que chegamos a isso. É obrigação moral e dever profissional, ainda que eu não exerça o ofício de historiador.

O meu maior erro em 2018 foi acreditar que o bom senso prevaleceria. Não aconteceu. Muitas pessoas me decepcionaram: o ódio ao PT falou mais alto e tornou aceitável o voto em alguém que defende tortura e fuzilamento de adversários políticos. Aceito desculpas de quem se arrependeu, mas só se ele for real – ou seja, se a pessoa pudesse voltar ao segundo turno daquela eleição, digitaria “13” ao invés de “17” (não aceito voto nulo, pois era um momento em que ninguém deveria se omitir).

Perdoo, mas não esqueço. Uma das minhas virtudes é ter boa memória. Até o último dia da minha vida lembrarei de quem foi, ainda que “sem querer” (querendo?), cúmplice da barbárie.

Um ano roubado

No dia 12 de março de 2020, fui à Arena do Grêmio pela última vez até agora. Era o histórico Grenal da Libertadores: tanto falaram que “o mundo acabaria” quando isso acontecesse que pelo visto virou praga…

Desde então, considero minha vida paralisada, ainda que minha quarentena tenha começado uma semana após o jogo. No sábado (14 de março) almocei com minha mãe e depois fui visitar minha avó, no domingo (15) almocei com meu pai, e trabalhei “normalmente” (entre uma atividade e outra, só se falava de vírus) até a quarta-feira (18). Tudo isso já sem abraçar ninguém. O Grenal acabou virando meu “marco” pois fui à Arena naquela escaldante quinta-feira sabendo que após o apito final ficaria um bom tempo não só sem ir ao estádio como também sem futebol e (principalmente) sem abraços, conforme as recomendações científicas.

Desde então, nunca mais subi correndo a escadaria da Arena (por mais que sempre dissesse que não o faria, acabava fazendo pois queria tomar uma última cerveja antes de entrar), parei de abraçar pessoas e de frequentar bares e restaurantes, simplesmente fiquei a maior parte do tempo em casa, esperando a pandemia passar para poder voltar a fazer essas coisas. Mas ela não acaba nunca.

Nesse ano que se passou perdi minha avó (aquela visita em 14 de março de 2020 foi a última) e no velório dela não pude receber calorosos abraços reais que certamente aconteceriam se não fosse a pandemia. Minha mãe fez uma cirurgia cardíaca e deu tudo certo, mas fiquei o tempo todo preocupado com o risco dela pegar covid-19 durante a internação no hospital – e sigo apreensivo pois na semana passada ela teve consulta de revisão e precisou esperar por mais de duas horas até ser atendida.

Por mais que a pandemia impusesse certo período de reclusão, jamais imaginei que “comemoraria” um ano disso. Em março do ano passado achava que teríamos algumas semanas de restrições para depois retomarmos nossas rotinas. Afinal de contas, era só usar a lógica: com as pessoas ficando em casa, o vírus circularia pouco e o sistema de saúde se prepararia não apenas aumentando o número de leitos (clínicos e de UTI) como também fazendo o rastreamento de contatos nos últimos 14 dias das pessoas doentes tal qual a Coreia do Sul – e o Brasil, com o SUS, tem capacidade para isso.

Mas além do SUS, o Brasil tem Jair Bolsonaro como presidente. Ele chamou a covid-19 (contra a qual não temos imunidade alguma por ser doença nova) de “gripezinha” (sendo que pegamos gripes há muitos séculos e também existe vacinação contra o vírus influenza), falou contra o distanciamento social e o uso de máscaras (maneiras mais efetivas de se evitar o contágio no primeiro momento) e também cometeu o disparate de dizer que não se vacinaria. Era a receita para o óbvio desastre que vivemos um ano após o início da pandemia: enquanto países como Israel e Reino Unido (insuspeitos de terem governos “comunistas”) já enxergam “a luz no fim do túnel” graças às vacinas, o Brasil mergulha em um abismo aparentemente sem fundo e se torna uma ameaça global.


Impossível não pensar que perdi um ano de vida – ou, mais corretamente, que ele me foi ROUBADO por Bolsonaro e sua política genocida. Um roubo pior do que se fosse de dinheiro ou outros bens materiais, pois não há a menor possibilidade de ressarcimento. No dia em que eu morrer, não terei o direito de pedir “acréscimos” para recuperar o tempo perdido como acontece numa partida de futebol.

É um crime que segue em curso, pois a lentidão na vacinação e o discurso anticientífico do presidente – que infelizmente serve de “exemplo” a muitas pessoas – fazem com que esteja muito longe o fim da pandemia no Brasil. E ainda posso dizer que “reclamo de barriga cheia”, pelo simples fato de poder reclamar. Pois (por enquanto) mais de 285 mil brasileiros perderam este direito por terem morrido da doença. São vidas e amores roubados por Jair Bolsonaro.

Parece que é pior ser ladrão do que genocida no Brasil. Como prova a eleição de Bolsonaro em 2018: se IMPLOREI para que não votassem nele, é por que seu histórico como deputado já “dava a dica” do que seria sua presidência; mas ainda assim diziam que “podem chamar ele de tudo, menos de ladrão” e com isso estava “justificado” elegê-lo contra a “roubalheira do PT”. (Engraçado que boa parte de quem falou essa baboseira repetia feito DISCO ARRANHADO que “político é tudo ladrão” e votou em alguém que estava no Congresso desde 1991.)

Mas a verdade é que Bolsonaro é, sim, ladrão. Nem falo das controvérsias (para não usar outro termo) de seu filho. Tampouco de outras coisas mal explicadas, como a multiplicação de seu patrimônio desde que entrou na política (1988, quando foi eleito vereador no Rio de Janeiro). Bolsonaro é um ladrão de tempo e vidas. Ele rouba o que é irrecuperável.

Bolsonaro promove o maior roubo da história do Brasil. Meu maior desejo é que um dia ele seja condenado por isso – ainda que seja impossível devolver o tempo e as vidas surrupiadas.

Já que não o chamam de genocida, então podem chamá-lo de ladrão, pois ele o é. O pior de todos os ladrões.