De Nelson Rodrigues a Umberto Eco

terraplanismo

Por uma enorme ironia foi via Facebook, na sua seção “lembranças”, que atentei para o fato de que no último dia 19 de fevereiro completaram-se três anos do falecimento de Umberto Eco (1932–2016). O escritor italiano era um grande crítico do papel da tecnologia na disseminação da informação. Uma de suas declarações mais famosas acerca do tema foi dada em 2015, durante evento em que recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim:

As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.

Quando ele se foi, já era percebido o efeito negativo das mídias sociais em nossa vida. Na época o Brasil discutia se a presidenta Dilma Rousseff seria ou não deposta pelo Congresso, no impeachment promovido por Eduardo Cunha: um ano antes disso já se falava do assunto, em especial entre eleitores do candidato derrotado no segundo turno da eleição de 2014, Aécio Neves, que acreditavam piamente que se Dilma saísse quem assumiria seria ele e não o vice-presidente Michel Temer; no WhatsApp eram difundidas inúmeras mensagens convocatórias para manifestações pró-impeachment, e uma delas falava em “usar verde e amarelo” para derrubar Dilma “igual a como se fez com Collor em 1989”.

O problema do texto era que, além de mal-escrito, continha informações incorretas: o impeachment de Fernando Collor foi em 1992, e os manifestantes usaram preto em reação a uma declaração do presidente pedindo que o povo saísse às ruas vestindo verde e amarelo para demonstrar apoio ao seu governo. Vale lembrar também que quem assumiu a presidência foi o vice Itamar Franco e não Lula, candidato derrotado por Collor no segundo turno da eleição presidencial — foi isso que aconteceu em 1989.

Mas ainda soava como pessimismo exagerado pensar que Donald Trump venceria a eleição presidencial nos Estados Unidos em novembro daquele mesmo ano de 2016 — e muito menos que o Brasil elegeria Jair Bolsonaro em 2018. Eram dois caras de discursos tão repulsivos, tão toscos, que parecia óbvio que eles mesmos “se afundariam” e seriam derrotados.

Só que menosprezamos as mídias sociais (com seus algoritmos), que tiveram papel fundamental na difusão de incontáveis mentiras (as chamadas fake news) que favoreceram tais candidatos. E, principalmente, se demorou a perceber que a tosquice deles era muito representativa da “legião de imbecis” à qual Umberto Eco se referia. Ainda que Trump não tenha sido o candidato mais votado pelo povo nos Estados Unidos (venceu graças ao anacrônico sistema eleitoral por lá utilizado), na época já se falava das chamadas “maiorias silenciosas”: pessoas com ideias absurdas que não as expunham pelo temor de virarem motivo de chacota. Ou seria possível levar a sério alguém que dissesse que vacinas matam ou, pior ainda, que a Terra é plana?

Infelizmente não são tão poucas pessoas que acreditam em tais absurdos. Impossível não lembrar de outro escritor, este brasileiro, chamado Nelson Rodrigues (1912–1980), que certa feita disse que os idiotas dominariam o mundo não pela qualidade e sim pela quantidade. Em especial, de um parágrafo de sua crônica “O Homem Fatal”:

De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: a vergonhosa inferioridade numérica dos “melhores”. Para um “gênio”, 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão.

O texto de Nelson Rodrigues foi escrito muito antes de existirem Facebook, WhatsApp, YouTube e similares — quando o cronista faleceu, Mark Zuckerberg sequer havia nascido. Na época, certos idiotas já tinham “palanque” e audiência: eram “formadores de opinião” que seguiam praticamente todos a mesma linha de pensamento, falando (e sendo lidos, ouvidos e vistos) em jornais, rádios e televisões. Mas era preciso ter alguma formação, algum conhecimento, que justificasse sua posição de destaque. E o fundamental: o papel deles era apenas opinar sobre acontecimentos que, na maioria das vezes, eram reais e não inventados.

É verdade que já se espalhavam mentiras antes de existirem mídias sociais. Mas elas dificilmente causavam um grande prejuízo à sociedade como está sendo verificado atualmente. Hoje em dia, é fácil escrever um texto no Facebook ou gravar um vídeo no YouTube dizendo que tudo o que a ciência já comprovou não passa de uma “grande conspiração para esconder a verdade” — as “teorias conspiratórias” sempre são um prato cheio para incautos, que as repassam sem checar se aquilo é verdadeiro ou não.

E assim, se chegou à situação absurda de ouvir gente dizendo que a Terra é plana, que aquecimento global é “conspiração marxista”, e ainda corremos o risco do retorno de doenças que foram erradicadas por campanhas de vacinação… Vivemos uma época na qual os argumentos científicos, que por sua condição precisam de bastante embasamento, são chamados de “opinião”. Sem contar o discurso de ódio, que não passa mais por nenhum “filtro” — ainda que boa parte dele seja expressa em caixas de comentários de grandes portais de notícia sem que haja moderação alguma por parte dos editores.

Faço minhas as palavras da professora Elika Takimoto, do tuíte cuja captura abriu este texto: que tempos.

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Facebook, ou “problematizódromo”

Sábado, enfim, saiu um texto meu no Medium. Foi publicado na TRENDR, onde sou colaborador eventual (uma média de dois textos por mês). Falei sobre o Super Bowl – obviamente não sobre o jogo em si, que sequer assisti, mas sim sobre as “problematizações” que rolaram no Facebook.

Não sou contra “problematizações”, e dentre os assuntos que podem ser problematizados encontra-se, inclusive, o Super Bowl. O problema é a maneira como elas costumam ser feitas no Facebook: bastante “capengas”, com análises simplórias e uso de muitos chavões – coisas típicas de quem não sabe lá muito sobre o assunto mas que se sente na obrigação de ter opinião. O que poderia (ou melhor, deveria) ser assunto sério fica parecendo discurso de chapa que concorre ao DCE.

São coisas assim que irritam demais no Facebook. E pensar que foi graças a ele que a “blogosfera” (tão importante em episódios como a eleição de 2010, por exemplo) acabou minguando…

Agora é oficial: o Cão Uivador acabou

Mais de uma vez escrevi o “texto de despedida” aqui deste espaço, mas “na hora H” não publiquei. Achei que era preciso retomar o blog, etecétera e etecétera.

Porém, depois de tão poucas atualizações, chego à conclusão de que mantê-lo perdeu o sentido. Aquele velho Cão Uivador, surgido lá em 2007, na verdade acabou faz tempo.

A primeira crise foi no começo de 2014. Cheguei a falar em deixar de escrever, mas no fim retomei a “labuta”, inclusive adquirindo domínio próprio, o que poderia marcar o reinício do blog.

Porém, veio 2015 e a falta de motivação para escrever aumentou. Em março, cheguei a escrever (pra variar…) o texto de despedida, mas ironicamente foi um lembrete do Facebook de que há 76 dias eu nada postava na página criada para o blog o motivador para eu voltar a escrever. Passaram-se dois meses e apenas mais dois textos foram publicados, além deste.

Não abandonarei a blogosfera. Na real, apenas me atualizo aos novos tempos.

Hoje em dia a maioria dos blogs perdeu a importância que já teve. A grande maioria das pessoas tem “preguiça” de ler “textão”, principalmente se não for no Facebook.

Mas, como tenho esperança (mais que isso, certeza) de que um dia o Facebook acabará, acho bom ter um espaço para publicar minhas reflexões – por mais curtas que sejam. E, como digo, o Cão perdeu o sentido, então acho mais válido ter um blog vinculado ao meu próprio nome. Afinal, a ideia é que seja um espaço realmente pessoal – embora o Cão já o fosse.

Domínio próprio? Por enquanto, não. Talvez um dia, quando as pessoas voltarem a não ter preguiça de ler “textão”.

É só pelos cinco segundos

A Avenida Cristóvão Colombo começa na Rua Dr. Barros Cassal e se estende até a Avenida Plínio Brasil Milano, ultrapassando (e muito) os limites do Bairro Floresta, do qual foi a via mais importante até a inauguração da Avenida Farrapos em 1940. Ainda assim, permanece como uma das principais referências do bairro. Em outubro, é garantido que um domingo terá o trânsito de veículos interrompido em um trecho para a realização do Criança na Avenida (muito me diverti “no meio da rua” durante minha infância); de 1984 a 1995, o trecho defronte à antiga fábrica da Brahma (hoje Shopping Total) foi palco do Festival do Chopp, que acontecia sempre em um sábado de abril e se estendia madrugada de domingo adentro (a festa deixou de ser realizada quando um menino morreu atropelado por um caminhão na montagem da estrutura para a não realizada 13ª edição, em 1996).

Em outros dias, porém, a rotina da Cristóvão Colombo é a mesma de tantas outras ruas e avenidas movimentadas de Porto Alegre. Muitos carros, muitos congestionamentos… E muito estresse, independentemente da situação do trânsito. Como o que presenciei hoje, na confluência da Cristóvão com a Alberto Bins, próximo ao Centro.

Ambas as ruas têm sentido em direção ao Centro naquele ponto, mas devido ao corredor de ônibus no contrafluxo, há a necessidade de um semáforo no local. Veículos que transitam pela Cristóvão e desejam seguir reto até a Barros Cassal precisam parar no sinal vermelho, já para pegar a Alberto Bins não há necessidade de parar.

sinaleira

Vista do local referido (reprodução Google Street View)

Pois bem: quando passei a pé pelo local, algumas horas atrás, dois carros aguardavam que o sinal abrisse. Porém, o motorista de trás estava impaciente e começou a buzinar, em consequência o da frente tirou o braço para fora do carro e apontou para o semáforo com a luz vermelha acesa (no momento nenhum ônibus transitava pelo corredor, mas isso não faz o sinal vermelho perder seu significado de “parada obrigatória”).

O “estressadinho” de trás decidiu passar de qualquer jeito. Manobrou o carro para a pista à direita, diminuiu a velocidade para falar um impropério ao motorista da frente (não consegui entender o que foi dito), e seguiu reto, sem ligar para o semáforo.

Menos de cinco segundos depois, o sinal abriu.

Panfleto da juventude

Caminhando pela rua, uma moça me chamou, e pediu licença para me entregar um panfleto. Como de costume, aceitei: o pessoal que distribui panfletos de propaganda nas ruas é pago para isso, então nada mais justo do que dar uma força para que terminem o serviço o mais rápido possível.

Só depois é que decidi ver o que dizia o papel: “vestibular, inscrições até dia 25, prova dia 27”.

Me senti como se estivesse de volta aos 17 anos de idade. Embora com muito menos cabelo e já com alguns fios de barba brancos. (Sem contar que fazer vestibular não é “privilégio” adolescente.)

Aliás, como seria bom ter 17 anos com a mesma experiência dos 32…

Julho amaldiçoado

Acabo de saber que um avião da Air Algérie que se dirigia de Burkina Faso para a Argélia caiu, com 116 pessoas a bordo. Mais um…

Neste julho de 2014 já tivemos outros dois aviões no chão. Além daquele da Malaysia Airlines lá na Ucrânia (e que ainda não se sabe quem o derrubou), ontem uma outra aeronave caiu em Taiwan após tentativa de pouso em meio a um tufão que atingia a região.

Este mês também é péssimo para a literatura brasileira. Três escritores se foram: João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna.

No futebol, mais perdas. A Copa do Mundo teve sua organização elogiada, mas a Seleção Brasileira levou 7 a 1 da Alemanha (que ainda ganhou o título, quebrando a escrita de nunca uma seleção europeia ter sido campeã na América). No tocante à crônica esportiva, tivemos a triste notícia de que o Impedimento (melhor página de futebol do país) deixará de ser atualizado após a Libertadores.

Relacionada à Copa, a questão dos ativistas presos e processados, acusados por violência em protestos antes mesmo deles acontecerem (não me parece coincidência as prisões terem se dado na véspera da final da Copa, e as razões para elas seguem nebulosas). A “Sininho” não é a “Che Guevara” que os esquerdistas mais cegos dizem que é, mas também não é uma “Bin Laden” como a velha imprensa procura pintar – discurso repetido, tristemente, por alguns petistas tão cegos quanto os ultraesquerdistas, não percebendo que quem sai mais prejudicado com a polêmica é justamente o governo Dilma, dado que muitas pessoas não sabem distinguir as diversas esferas governamentais (federal, estadual e municipal) e também esquecem que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes uns dos outros.

Tudo isso num só mês, e que ainda tem uma semana pela frente… Será que não dá para “pular” estes sete dias e começar agosto amanhã?

Henry, o salvador do mundo

Mês passado, postei aqui sobre como os números poderiam levar a um novo “Maracanazo” na Copa do Mundo de 2014. Não refarei toda a conta, o link anterior explica como funciona. Só digo que segundo a fórmula original (e também com as que inventei na hora) o campeão mundial de 2014 seria o mesmo de 1950, ou seja, o Uruguai. O que bem sabemos, não aconteceu, visto que a Celeste foi embora nas oitavas-de-final.

Para a fórmula continuar válida, também seria necessário que o Brasil tivesse sido campeão em 2006 e a Alemanha em 2010; mas como bem lembramos, deu respectivamente Itália e Espanha nessas duas Copas. Porém, vamos supor que tivesse saído tudo conforme os números previam, e tivesse dado Brasil em 2006, Alemanha em 2010 e Uruguai em 2014.

Na próxima Copa, para sabermos o campeão teríamos de subtrair 2018 de 3964, e o resultado seria 1946. Porém, ao olharmos a tabela com os resultados de todos os Mundiais, não encontramos campeão em 1946. E o mesmo acontece com 1942, que indicaria o vencedor de 2022.

A Copa do Mundo de 1942 não aconteceu devido à Segunda Guerra Mundial, que tornava impossível a realização de qualquer torneio internacional de futebol a nível mundial. O conflito só acabou em 1945, o que também inviabilizou a disputa do Mundial no ano seguinte: a Copa só retornaria em 1950, no Brasil, que era um dos candidatos a sede para 1942 (o outro era a Alemanha, que foi proibida de participar em 1950).

Percebam, assim, a importância que teve aquele gol de Thierry Henry marcado contra o Brasil nas quartas-de-final da Copa do Mundo de 2006: foi o que enterrou definitivamente aquela “fórmula”. Caso ela continuasse válida, seria um sinal indiscutível da aproximação da Terceira Guerra Mundial. Ainda mais no atual contexto internacional: a região oriental da Ucrânia vive uma guerra civil, com rebeldes lutando pela anexação das províncias do leste à Rússia.

Com a queda de um avião da Malaysia Airlines justamente na área conflagrada, com suspeitas de que teria sido abatido por um míssil terra-ar, há acusações de lado a lado: o Ocidente acusa os separatistas de terem lançado o míssil que derrubou a aeronave e, de quebra, a Rússia por ter fornecido-lhes armas; já uma fonte do Kremlin diz que o ataque teria sido ordenado pelo governo ucraniano e que o verdadeiro alvo seria o avião presidencial russo (semelhante à aeronave derrubada), ou seja, que o objetivo seria matar Vladimir Putin, que retornava da reunião de cúpula do BRICS acontecida no Brasil (as rotas dos dois aviões eram coincidentes no leste da Europa). Claro que em ambas as versões há coisas estranhas: na primeira, é preciso entender o que levaria os rebeldes a abaterem uma aeronave que não é de uso militar; já na segunda, é de se questionar por que a Ucrânia teria optado por uma maneira tão pouco discreta para tentar assassinar Putin, ainda mais sabendo que um atentado desse nível pode ter consequências seríssimas – há 100 anos, a “faísca inicial” da Primeira Guerra Mundial foi o assassinato do herdeiro do trono da Áustria-Hungria, que nem era a principal potência europeia em 1914 (enquanto a Rússia atual é uma superpotência dotada de milhares de ogivas nucleares). Mas, ainda assim, trata-se de um acontecimento que ainda terá muitos desdobraentos.

Tivesse dado Brasil, Alemanha e Uruguai nas últimas três Copas, a essa altura eu já estaria pensando seriamente em construir um abrigo subterrâneo para me proteger de possíveis ataques nucleares que viriam na iminente Terceira Guerra Mundial. Mas, graças àquele gol que eliminou o Brasil em 2006 e enterrou a “fórmula mágica”, confio em uma solução diplomática que impeça o fim do mundo.

Obrigado, Henry.

De volta à realidade

Acabou a Copa do Mundo do Brasil, com resultado mais do que justo. A Alemanha, primeira seleção europeia a ser campeã na América, mereceu pelo que fez não só no Mundial (onde somou ao belo futebol uma simpatia incomparável que, seja ou não jogada de marketing, conquistou a torcida brasileira de maneira que nem aqueles 7 a 1 reverteram), como também nos últimos anos.

Torci pela Argentina (por ser sul-americana), que com a derrota segue em seu jejum de títulos: o último foi a Copa América de 1993. Já os alemães voltaram a ganhar uma taça depois de 18 anos (a última fora a Eurocopa de 1996), graças à total reformulação iniciada após o fiasco na Euro 2000 – um modelo que, se não é para ser seguido à risca pelo Brasil (afinal, somos diferentes da Alemanha), ao menos deveria servir de inspiração para a reconstrução do futebol brasileiro.

Agora, é voltar à realidade:

  • Depois da Copa do Mundo com segunda melhor média de público de todos os tempos, marcada por grandes jogos, é hora de voltar a assistir partidas de baixo nível técnico em estádios que muito raramente lotam. Algo do tipo Coritiba x Figueirense, que jogam quarta-feira às 19h30min pelo Campeonato Brasileiro;
  • Na Argentina, o segundo semestre de 2014 terá o Torneo Transición, e em 2015 o Campeonato Argentino abandonará o calendário europeu. Mas, passará a ser disputado por 30 clubes numa fórmula que não entendi, mostrando que o futebol no país vizinho (sob o comando de Julio Grondona desde 1979) também precisa de uma “arejada”;
  • Semana que vem, recomeça a Libertadores em sua fase semifinal. Sem nenhum clube brasileiro: é verdade que a maioria dos convocados para a Seleção Brasileira hoje em dia jogam na Europa, mas não ter nenhum representante do Brasil nas semifinais da principal competição de clubes da América do Sul poderia ter servido de alerta para o que nos aguardava na Copa, né? E reparemos que a Seleção passou por Chile e Colômbia “com as calças na mão” como diz o ditado – para depois ser humilhada diante da Alemanha;
  • Os protestos contra a Copa não chegaram nem perto de igualar as grandes multidões que foram às ruas em 2013, é verdade. O que cresceu foi a repressão, e nada faz crer que ela diminuirá porque o Mundial já é passado;
  • Enquanto acompanhávamos as partidas decisivas da Copa do Mundo, Israel atacava novamente a Faixa de Gaza, matando mais de 100 palestinos com a desculpa de reagir a foguetes lançados pelo Hamas contra território israelense. Uma reação, para variar, desproporcional de um país dono de um dos exércitos mais bem preparados do mundo contra um povo oprimido há décadas;
  • E a campanha eleitoral já começou, com direito a desmiolados querendo culpar Dilma pela derrota da Seleção. Isso é só o começo do que veremos até outubro…

Sobre os “bodes expiatórios” do Brasil no momento

Fazer análise histórica “no calor do momento” é algo por demais difícil. Pois lidamos com fatos dos quais ainda não sabemos o real significado, sendo necessário um certo tempo para que se tenha um melhor entendimento. Portanto, da mesma forma que nenhum jornal do dia 15 de julho de 1789 anunciava o acontecimento do dia anterior (Tomada da Bastilha) como marco inícial da Idade Contemporânea, ainda não podemos dizer com exatidão o que significou o Brasil levar 7 a 1 numa semifinal de Copa do Mundo em casa, para além do óbvio: foi uma humilhação. Pouco importa o adversário: uma derrota dessas é humilhante porque é 7 a 1 e “ao natural”, mesmo que contra a poderosíssima Alemanha.

Logo, mesmo que eu não seja exatamente um apaixonado pela Seleção (muitas vezes fui indiferente e nesta Copa torci, mas não com a mesma intensidade que pelo Grêmio), o que escrevo abaixo carece do necessário distanciamento histórico. Por isso prefiro me concentrar em alguns personagens que estão sendo transformados em “bodes expiatórios” por essa derrota: nenhum deles pode carregar a culpa sozinho, e há quem nada tenha a ver com o que aconteceu.

1. Fred. Não jogou absolutamente nada nessa Copa, é verdade. Mas, se pensarmos apenas no vexame de ontem, precisamos lembrar que centroavante tem de marcar gols, e não impedir que os adversários cheguem a ele. Verdade que Fred também foi inoperante em sua função, mas não podemos esquecer que nenhum jogador escala a si mesmo.

2. Luiz Felipe Scolari. Ele convocou e manteve Fred como titular incontestável, escalou (muito) mal o time contra a Alemanha, e na entrevista coletiva de ontem demonstrou que simplesmente não entendeu o que se passou no Mineirão (da mesma forma que Carlos Alberto Parreira). E o que aconteceu em 2012, no Palmeiras, ajuda a demonstrar que Felipão já não era mais o mesmo de antes: em junho ganhou a Copa do Brasil (quebrando escrita alviverde de títulos relevantes, o último fora a Libertadores de 1999), mas em setembro o treinador deixou o clube na zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro (de onde o Palmeiras não mais sairia naquele ano); dois meses após a demissão, tornou-se técnico da Seleção em virtude da vitoriosa campanha de 2002, não de seus resultados em 2012. Felipão teria sido rebaixado caso não deixasse o Palmeiras, visto que não conseguia fazer o time reagir: definitivamente, isso não era um bom presságio. Mas, assim como Fred não escalou a si mesmo, Luiz Felipe não foi contratado por si mesmo.

3. José Maria Marin. Sim, transformar o detestado presidente da Confederação Brasileira de Futebol em “bode expiatório” (afinal, foi ele que contratou a atual comissão técnica e, sobretudo, é o mandatário-mor do futebol nacional) também é um erro. Marin não deveria de forma alguma ser presidente da CBF, mas é uma ilusão achar que basta ele sair para as coisas tomarem jeito. Toda a estrutura do futebol brasileiro é arcaica, amadora: “de cima a baixo”, da CBF aos clubes. Verdade que maus dirigentes não são “privilégio” brasileiro: uma possível vitória da Argentina nesta Copa não pode apagar o fato de que desde 1979 o futebol argentino tem como mandatário Julio Grondona, indicado por Carlos Alberto Lacoste (militar diretamente envolvido com a brutal ditadura que assolou nossos vizinhos). Mas não pode servir de justificativa para que as coisas continuem do mesmo jeito.

4. Torcida. Uma das queixas mais corretas, embora não completamente. Não sou fã do termo “coxinha” (muitas vezes ele é usado em um debate para “desqualificar” o oponente, o que demonstra falta de argumentos para continuar a troca de ideias: “não discuto mais pois você é um ‘coxinha'”, e saio achando que “ganhei” a discussão), mas ele é perfeito para descrever boa parte dos que foram aos jogos da Copa do Mundo: um bando de “coxinhas” cuja maior preocupação não era torcer, e sim tirar “selfies” para alimentar o ego nas redes sociais. Enquanto alguns torcedores de verdade se desesperavam no Mineirão por conta do vexame (caso de meu amigo Leonardo Sato, um dos maiores apaixonados por futebol que conheço), no mesmo estádio os “patriotas de ocasião” estavam felizes porque suas “selfies” ganhavam muitas “curtidas” no Facebook e no Instagram. É no que dá ter ingressos tão caros (e nem me refiro só à Copa do Mundo, que ofereceu certa quantidade de ingressos a R$ 60, o que pode ser considerado barato para um torneio desta magnitude): com isso, os estádios têm cada vez menos torcedores e mais “exibicionistas”.

5. Dilma Rousseff. Sim, acreditem: já tem gente passando atestado de burrice ao associar a derrota brasileira na Copa ao governo Dilma. O pessoal “esquece” (no fundo, sabem que são oportunistas de quinta categoria) que a Seleção é controlada pela CBF (uma entidade privada) e que em caso de intromissão governamental ela pode ser suspensa ou mesmo desfiliada pela FIFA (outra entidade privada). Culpar qualquer governante por uma derrota no futebol é tão estúpido quanto cobrar o técnico de qualquer time por problemas sem relação com o esporte (aliás, o que mais vejo são pessoas culpando Dilma por coisas que nada têm a ver com o governo federal, e inclusive que sequer aconteceram no Brasil, numa mostra de que não há limites para a estupidez). Aliás, também é burrice tentar associar o fracasso futebolístico ao governo acreditando em dividendos eleitorais pois, desde que se tornou “regra” as eleições presidenciais acontecerem meses após a Copa do Mundo, só em 1994 houve coincidência entre vitória da Seleção e do candidato do governo (Fernando Henrique Cardoso, que ganhou a eleição devido ao Plano Real e não por conta dos gols de Romário). Depois sempre “deu o contrário”, com a situação vencendo em anos de derrota brasileira (1998, 2006 e 2010) e com o oposicionista Lula sendo eleito poucos meses após a vitória da Seleção na Copa de 2002. O que obviamente não quer dizer que Dilma já esteja reeleita, mas sim que o povo sabe separar as coisas, ao contrário do que alguns “ilustrados” pensam.


Por fim, resta agora torcer pela Argentina. Apesar dos dirigentes (e me pergunto se alguém torceu contra seu clube alguma vez por não gostar do presidente) e do futebol apresentado (a Alemanha jogou muito mais durante a Copa, e é favorita na final), fico com minha identidade latino-americana. Ultimamente os europeus têm levado nossos jogadores embora cada vez mais jovens (muito por incompetência dos clubes em segurá-los por mais tempo) e os confrontos interclubes entre América do Sul e Europa estão a cada ano mais desiguais, então que ganhemos deles pelo menos nas disputas entre seleções.

Mas reconheço que vai ser bem difícil…

A “hospitalidade” brasileira

A Copa do Mundo no Brasil se aproxima do final, e os estrangeiros elogiam muito a “hospitalidade” do povo brasileiro. O que não é novidade: nosso país sempre teve fama de ser “hospitaleiro”, de receber bem os visitantes.

Porém, a própria Copa mostra que não é bem assim. Basta ver o que se sucedeu ao jogo Brasil x Colômbia, no qual a Seleção garantiu presença na semifinal ao vencer por 2 a 1, mas também marcado pela lesão que tirou Neymar do Mundial.

O lateral Juán Camilo Zúñiga, autor da joelhada nas costas de Neymar que fraturou uma vértebra do jogador, já disse que o lance não foi intencional. E a meu ver, realmente não foi: houve, sim, muita imprudência por parte do colombiano. Já que a FIFA suspendeu o atacante uruguaio Luis Suárez por nove jogos internacionais e inclusive o proibiu de treinar por quatro meses devido à mordida no zagueiro italiano Giorgio Chiellini durante a partida entre Uruguai e Itália (pena considerada excessiva até mesmo pelo “mordido”), espero que Zúñiga sofra uma punição mais severa, para que não se fique com a impressão de que morder uma adversário é pior do que acertá-lo com uma joelhada que pode ter consequências graves.

Instantes depois do apito final, o zagueiro brasileiro David Luiz teve uma bela atitude: consolou o meia James Rodriguez, destaque da Colômbia, e pediu ao público que aplaudisse o jogador adversário. Um exemplo que infelizmente a maioria das pessoas não segue.

Após a partida os jogadores colombianos decidiram ir a um restaurante. Reconhecidos, foram hostilizados por torcedores brasileiros, com o ônibus que transportava os atletas da Colômbia sendo alvo de latas.

Nas redes sociais, Zúñiga sofre um verdadeiro linchamento virtual (o que, vamos combinar, não é muito surpreendente, dado o apoio de tantos brasileiros à “justiça com as próprias mãos”). No Instagram, o perfil do jogador foi “invadido” por brasileiros, que lhe dirigiram todo o tipo de impropérios. No Twitter, o lateral foi alvo de insultos racistas.

Enfim: é esta a “hospitalidade” que temos a oferecer?