Monstros não existem

O Guga “acertou na mosca” no texto dele no Alma da Geral, sobre os atentados terroristas da última sexta-feira na Noruega. Já notei a mesma coisa: estão tentando pintar Anders Behring Breivik, autor confesso dos ataques, como um “monstro” e, claro, “seguidor de Adolf Hitler”. Como se Hitler tivesse sido também uma “criatura anômala”.

Lembram de quando foi lançado o filme “A Queda” (Der Untergang)? A obra sofreu críticas por ter mostrado um Adolf Hitler “muito humano”. Pois o certo seria apresentar Hitler como um “monstro”, e não como um um ser humano. Afinal, o nazismo não é obra de seres humanos, certo? (Os nazistas eram monstros disfarçados de humanos, só pode ser isso.)

Essa insistência em negar que a humanidade foi capaz de coisas terríveis como o Holocausto tem uma motivação muito clara: fazer com que as pessoas acreditem que aquilo jamais voltará a acontecer e que, portanto, não é preciso ficar atento. Então, dê-lhe dizer que Hitler, o nazismo, e caras como Anders Behring Breivik são “monstruosidades”…

Mas tem mais na tentativa de colar o rótulo de “monstro” em Breivik. Passo novamente a palavra ao Guga:

Claro, porque é necessário se identificar de alguma forma uma anomalia no comportamento do cara, porque senão todas as razões que ele vem elencando para o seu massacre irão colocar uma gama muito grande de pessoas no saco que este idiota acabou de criar.
Suas ideias são como um compilado de bobagens que tenho ouvido por aí ao longo dos tempos, em jantares de família, saguões de faculdade, mesas de bar… todas essas coisas que permeiam a vida de um jovem da classe média porto-alegrense.
O que ele fez lá na Noruega tem um montão de gente por aqui que adoraria fazer com os integrantes do MST, ou com os moradores de rua, com negros, com vileiros, com os vagabundos do bolsa família, os maconheiros das marchas ou com os bicicleteiros que ousam desafiar os carros.

Exato: o que não falta são pessoas que defendem ideias que seriam muito bem aceitas por Hitler e seus seguidores, mas dizem repudiar o nazismo (por desconhecimento ou cara-de-pau mesmo). E é aí que mora o perigo.

Foi justamente para explicar a seus alunos como os alemães puderam aceitar o nazismo e todos os seus horrores, que em abril de 1967 um professor de História em uma escola nos Estados Unidos demonstrou, de forma prática, como o fascismo surge e cresce sem que a maioria das pessoas se dê conta disso: muito pelo contrário, o apoiam sem nenhum questionamento, nenhuma crítica. Os acontecimentos foram retratados no filme “A Onda” (The Wave), de 1981, que achei inteiro legendado em português no YouTube (dividido em cinco partes) e disponibilizo abaixo.

Em 2008, foi lançada uma versão alemã (Die Welle), que deu uma “atualizada” na história, e que achei melhor. Mas não achei com legendas em português, só o trailer.

9 comentários sobre “Monstros não existem

  1. Quando ouvi, no noticiário, a forma raivosa com que o norueguês se refere, em suas manifestações na Internet, a comunistas, marxistas e islâmicos, lembrei-me de alguns comentaristas como Jabor, Mainardi, Políbio e outros discípulos do Prof. Hariovaldo (genial), devido à semelhança do discurso. Vejo uma relação entre essa “coincidência” de discurso com a tentativa de rotular tais atrocidades como “loucas”. Isso dá a impressão que esta raiva saiu do nada –ou só da cabeça dele- negando o fato que, na verdade, sofreu influência do meio em que vive (distorcida por uma mente perturbada, é claro), através da popularização destas ideias “direitoscas”, tão comuns por aqui também. Pelo menos o cara se assume de direita, já os daqui ficam enrustidos…

  2. Nâo sei se foi falha do meu computador, mas não consegui abrir o filme. EM todo o caso, vou pesquisar e muito obrigada pelos links.

  3. Esse filme é muito representativo… Ano passado, quando fizemos um ciclo de cinemas entre duas das repúblicas aqui em Coimbra passamos ele pra ver como se ascendia o debate… Entre os outros filmes que mostramos esse foi sem dúvida o mais polêmico e de debate mais inflamado…
    Já com relação ao episódio na Noruega é uma coisa que infelizmente não acho que deixará de acontecer… Movimentos nacionalistas acontecem em todo o lado… Quando morava na Holanda pensava que era uma coisa “não-latina”, mas depois disso já morei na Itália e Portugal e isso também está presente nesses países, as vezes mais fraco, as vezes mais forte…
    As grandes vítimas aqui são, sem dúvidas, os muçulmanos/norte africanos… e digo isso porque sou facilmente confundida com marroquinos (inclusive por próprios marroquinos) o que acabou me colocando em situações engraçadas na grande maioria das vezes, mas tb já fui cobrada por não estar usando o véu, por estar de mãos dadas com algum homem na rua ou simplesmente por estar na rua (um neonazi no centro de Berlin me deu um encontrão que por pouco não fui parar no chão… isso em plena luz do dia)…
    Eu fico assustada porque, de fato, monstros não existem, essas pessoas são pessoas “normais”, andam na rua livremente e podem cometer uma atrocidade a qualquer momento…

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