Resumo do Brasil

Cartum de Carlos Latuff

Foi só por volta de 4 da tarde que acessei a internet hoje, após mais de 24 horas longe do computador. Foi quando fiquei sabendo que, atropelando decisão da Justiça Federal que adiava em 15 dias a reintegração de posse na área do Pinheirinho em São José dos Campos (SP), a PM invadiu o terreno, pertencente à massa falida de uma empresa de Naji Nahas (condenado por crime financeiro), cumprindo ordem da Justiça de São Paulo – que pelo visto, se acha superior à Federal.

Até agora, as informações são desencontradas – há relatos que falam em mortes decorrentes da ação policial, mas elas não são confirmadas. Mas uma certeza eu tenho: este episódio do Pinheirinho é nada mais do que um resumo de nosso país. Onde sob o pretexto de se “manter a ordem”, perpetua-se a injustiça. E ainda com o apoio do poder que, para fazer jus à denominação, deveria agir de forma contrária. Nada mais terrível do que uma decisão da Justiça ser qualquer coisa, menos justa. Faz muita gente acreditar ainda menos no já desacreditado Poder Judiciário.

E para cumprir tais ordens, manda-se a polícia militar. Seja em São Paulo ou em qualquer outra parte do Brasil (com raras exceções), quando se chama a PM para “reestabelecer a ordem” devido a alguma manifestação ou ocupação dita “ilegal” pela Justiça, pode ter certeza: lá vem truculência. Foi o que vimos nas últimas semanas na USP e também em Teresina, onde a PM não poupou brutalidade na repressão aos estudantes que protestavam contra o aumento das passagens de ônibus.

No caso do Pinheirinho, o que mais me indigna é ver pessoas que não têm outro lugar para morar sendo expulsas de casa em nome do “direito à propriedade”. Pois nem a prefeitura de São José dos Campos e o governo de São Paulo (ambos do PSDB) providenciaram outro local para as famílias viverem.

Verdade que isso não é uma exclusividade brasileira, mas impressiona a fidelidade quase religiosa de muitas pessoas à tal “propriedade privada”. Vindo de participantes do Fórum da “Liberdade” eu não me surpreenderia, mas ver tanta gente aplaudindo a PM (quem não tem estômago, é bom não ler os comentários nas notícias sobre os acontecimentos do Pinheirinho) por ter cumprido uma ordem judicial injusta baseada unicamente no “direito à propriedade” de um especulador condenado por crime financeiro, sobrepondo-o assim ao direito à moradia que é assegurado pela Constituição Federal, é algo assustador. Demonstra o poder que os defensores desta antidemocrática corrente de pensamento têm. (Não esqueçam que os donos da mídia são eles.)

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Em resposta à violência policial contra os moradores do Pinheirinho, estão sendo organizados atos de protesto em várias cidades – hoje à tarde já aconteceu um em São Paulo. Via Facebook fiquei sabendo que em Porto Alegre a manifestação acontecerá na Esquina Democrática, amanhã ao meio-dia. Não terei como ir; quem puder, compareça!

Sobre a truculência na USP

Já li muito sobre a ocupação da reitoria da USP por cerca de 70 estudantes, retirados à força pela Polícia Militar na madrugada de segunda para terça, em cumprimento de ordem judicial.

Sobre a ocupação em si, ficou difícil formar uma opinião. Nada mais autoritário do que a polícia fazer revistas até nas portas das bibliotecas em busca de drogas e deter três estudantes por portarem maconha, quando isso não é crime desde 2006. Afinal, o reitor da USP não dizia que a presença da PM no campus era para dar mais segurança aos alunos? Que porra de “segurança” é essa, que detém cidadãos por algo que não é mais passível de detenção? Se o objetivo é combater o tráfico de drogas, não seria mais lógico prender o traficante, ao invés do usuário? Mesmo que a criminalidade no campus tenha caído com o policiamento (conforme afirmam os defensores do convênio entre a reitoria e a PM), se os alunos têm de se preocupar não só com os assaltantes, como também com a polícia, não há segurança.

Porém, ao mesmo tempo, a ocupação da reitoria não tinha legitimidade, visto que foi obra de parte vencida dos estudantes que ocupavam a Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas (FFLCH) em protesto contra a presença da PM no campus. Este grupo votou contra a desocupação da FFLCH, na noite de 1º de novembro. Derrotado na assembleia estudantil, decidiu ir para a reitoria…

Ainda assim considero inadmissível, em um país que se diz democrático, ver policiais apontando armas para estudantes já rendidos. E também pergunto onde está todo aquele efetivo (segundo a própria PM, foram 400 policiais) para cumprir sua verdadeira função, que é de dar segurança à população. Não só em São Paulo, como em qualquer outro lugar do Brasil (e mesmo do mundo), nunca falta polícia para reprimir manifestantes, estudantes etc.

E mesmo que a PM estivesse cumprindo ordem judicial, sua ação foi truculenta. Aliás, não esqueçamos que a repressão da ditadura militar não era obra apenas de agentes que agiam à margem do Estado para auxiliá-lo: quando a polícia reprimia manifestações, o fazia para “cumprir a lei” da época.

A propósito: não parece que o Brasil mudou muito pouco de 1985 para cá? Em algumas coisas, na verdade não houve nenhuma mudança.