A respeito de longevidade

Morreu a rainha Elisabeth II do Reino Unido e, junto com ela, os memes sobre uma suposta “imortalidade”. O melhor, sem dúvida, era um que nos perguntava que mundo iríamos deixar para a veterana monarca.

Partiu aos 96 anos, após ser Chefe de Estado por sete décadas. Quando Elisabeth II tornou-se rainha, o presidente do Brasil era Getúlio Vargas, que iniciava o segundo ano de seu mandato conquistado nas urnas em 1950; o atual presidente (se é que dá para chamar assim alguém que puxa um coro de “imbrochável” em pleno bicentenário da Independência) ainda nem havia nascido. Fazia tão somente sete anos que havia acabado a Segunda Guerra Mundial. Ela deu posse a um primeiro-ministro nascido em 1874 (Winston Churchill) e a uma nascida em 1975 (a atual, Liz Truss, nomeada dois dias antes do falecimento da rainha). Apenas quatro Copas do Mundo haviam sido disputadas e o Brasil ainda não tinha conquistado nenhuma; tal glória era restrita a Itália e Uruguai.

Minha avó Luciana tinha 30 anos de idade, meu pai era bebê de colo e minha mãe tinha quatro anos e meio. A rainha, nascida em 1926, era em 2022 mais velha que 99% da população mundial.

Dizer, portanto, que terminou uma era não me parece exagero. Vou além: desde que me conheço por gente ouço falar no noticiário da “rainha da Inglaterra”. Por mais que eu seja contra a monarquia e a glorificação em torno dela, é inegável que de certa forma tornou-se uma “referência”.


Quando Jô Soares faleceu, no último dia 5 de agosto, imediatamente lembrei de uma excelente crônica escrita em 2014 por Eliane Brum. O título já diz tudo: “o mundo da gente morre antes da gente”.

Reparei naquele dia que boa parte das referências simbólicas de minha criação ou estão na casa dos 70, 80 anos, ou morreram sem que isso fosse um choque: é bem diferente Jô Soares nos deixar por uma doença aos 84 do que Ayrton Senna partir aos 34 após bater a 200 km/h numa curva de uma pista insegura. (Aliás, se fosse vivo, Senna teria hoje 62 anos: quantos títulos mais teria conquistado? E prefiro nem ficar nessa de pensar se seria ou não bolsominion.)

Cazuza, falecido em 1990, teria 64 anos se estivesse vivo. Era mais novo, mas não tão mais novo assim, que Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento… Diferença inferior a 20 anos.

Segundo Paulo Roberto Falcão, o jogador de futebol tem duas mortes: a primeira é quando para de jogar e a segunda quando morre de fato. Então lembro de Ronaldo “estourando” no Cruzeiro em 1993, aos 17 anos: pendurou as chuteiras cedo (com apenas 34), é verdade, mas já se aproxima dos 46. Vários ídolos da década de 1990 já passaram dos 50, e alguns dos jogadores que marcaram a inesquecível Copa do Mundo de 1994 até já faleceram (ainda que esses casos se enquadrem naquele critério “morte chocante”: o nigeriano Rashidi Yekini partiu em 2012, aos 48 anos; já o “lobo búlgaro” Trifon Ivanov sofreu um infarto fulminante aos 50, em 2016). O camaronês Roger Milla já era veterano quando “me conheci por gente”, mas hoje tem 70 anos – apenas alguns meses mais novo que meu pai.


Lembro de quando meu pai ainda não tinha nenhum fio de cabelo branco, em um evento de dia dos pais na escolinha onde eu fazia o Jardim de Infância, respondendo a coleguinhas que perguntaram a idade dele: “tenho 35 anos”. Hoje ele tem o dobro de idade, além de barba e cabelo totalmente brancos. E é minha barba e o (que me resta de) cabelo que está embranquecendo aos 40, quase 41.

Mas o que me chama mais a atenção, ainda mais na comparação com a rainha falecida, é o caso de minha avó paterna Luciana, que morreu em 2020 com 98 anos. E me faz pensar ainda mais no que Eliane Brum escreveu, de que “o mundo da gente morre antes da gente”.

Se pinta muito uma ideia bacana da longevidade, de “ver muitas coisas acontecerem”. Como se todo mundo fosse a rainha: rica e com a chefia de um poderoso Estado em mãos única e exclusivamente por ter herdado tal direito do pai, sem ter feito esforço algum para isso (alô, defensores da meritocracia: expliquem essa, por favor).

A minha avó teve muitos cuidados até o final da vida. No dia em que faleceu, um médico foi atendê-la na casa geriátrica onde viveu seus últimos três anos: como diagnosticou que ela provavelmente estava morrendo, deu uma potente injeção contra a dor para que sofresse o mínimo possível.

Mas isso não saiu “de graça”. Os cuidados necessários para que uma pessoa viva quase 100 anos com o máximo de conforto possível são bastante dispendiosos. Boa parte das famílias não têm condições para que seus velhinhos possam ter equipes de cuidadores (em casa ou numa geriatria). Penso até mesmo no meu caso: não tenho e nem quero ter filhos num mundo que dá pinta de que a vida será insuportável num futuro não tão distante por conta das mudanças climáticas; como também tenho preguiça da “burocracia” para conseguir casar (mesmo sem cerimônia), quando estiver velho provavelmente serei apenas eu por mim e, certamente, sem ganhar o suficiente para bancar as despesas. Alcançar uma idade muito avançada sem precisar de cuidados é bastante improvável, então já acho que é melhor não chegar tão longe.

Só que o principal aspecto que penso é no fim do “mundo da gente”, que acontece antes de morrermos quando chegamos à velhice. Se eu percebo que boa parte de minhas referências simbólicas estão partindo de forma natural, as de minha avó já não existiam muito tempo antes de 2020.

E tem algo pior: as pessoas com que se convive a partir de um momento na vida começam a morrer sem causarem choque por terem pouca idade (visto que tendemos a nos relacionar com pessoas que “regulam” conosco nesse aspecto). Felizmente não perdi nenhum amigo mais próximo mas já se foram antigos colegas que tinham idade semelhante à minha, vítimas de acidente de carro ou doenças graves; em ambos os casos a sensação era de que tinham morrido “antes do tempo”. Meu pai já perdeu amigos com idade próxima à dele sem que isso fizesse pensar que tinham ido “cedo”; cerca de metade dos irmãos de minha mãe já morreram: ainda que ambos tenham saúde (que obviamente não é a mesma de anos atrás), não deixa de ser um “sinal dos tempos”, que passam para todo mundo.

Minha avó, em 2020, não era apenas uma velhinha de quase 100 anos que não conseguia mais caminhar e dependia de ajuda para fazer quase que qualquer coisa. Ela também já tinha perdido todas as amizades. O único irmão vivo (que faleceu em 2021, aos 95 anos) sofria de Alzheimer e tinha perdido praticamente toda a memória; morava com ela na geriatria mas poucos dias após ela morrer já se esqueceu. As demais pessoas vivas e próximas a ela eram muito mais novas, de “outro tempo” que já não era o dela.

Vale a pena? Sinceramente, acho que não.

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Pela família e pela vida

“Vou trabalhar em defesa da família”, dizem vários candidatos e candidatas a cargos parlamentares nas eleições do próximo dia 5 de outubro. Não é de hoje que esse chavão é repetido, mas aumentou bastante sua frequência no horário eleitoral em 2014. Eu até andava pensando: será que existe algum candidato “contra a família”? Ao menos seria algo diferente.

Esses dias, meu amigo Paulo Alcaraz fez um comentário genial sobre esse negócio de “defesa da família”: ora, o Don Corleone também era a favor da família… Não é verdade?

"Um homem que não gasta tempo com sua família nunca será um verdadeiro homem." (Don Corleone em "O poderoso chefão")

“Um homem que não gasta tempo com sua família nunca será um verdadeiro homem.” (Don Corleone, “O Poderoso Chefão”)

E não só o Don Corleone era (muito) a favor da família. Quem assistiu ao excelente “A Queda” certamente sabe o motivo pelo qual o filme foi alvo de muitas críticas: mostrava um Adolf Hitler “humano”, que inclusive era carinhoso com sua família, ao contrário da imagem “monstruosa” geralmente associada a ele e aos nazistas em geral. Afinal de contas, é mais fácil dizer que tragédias como o nazismo foram “monstruosidades” do que admitir o fato de que foram obras de seres humanos e que, consequentemente, todos nós somos suas “sementes”, como bem mostrou o excelente filme “A Onda” (em especial, a versão alemã lançada em 2008).

Mas para não falarmos só de um personagem de ficção e de um ditador, lembremos o traficante de drogas (aquelas que você não quer que sejam legalizadas de jeito nenhum, para a alegria do traficante que assim não perde sua clientela). Ele também tem família. E, obviamente, é a favor dela.

Acho que já deu para sacar o quão vazio é esse discurso de “defesa da família”. Serve apenas para esconder as verdadeiras intenções de quem o profere – em geral, aqueles políticos cuja principal bandeira é defender que “família” só pode ser de um jeito, e de nenhum outro. Na cabeça desses “pró-família”, só heterossexuais têm direito a serem felizes no amor, mas como pega mal ser contra a felicidade alheia, disfarçam com esse papo furado de “ameaça à família brasileira”.


E tem também as candidaturas que “defendem a vida”. Outro discursinho vazio: existe alguém que seja “a favor da morte”? Até mesmo donos de funerárias são “pela vida”: afinal, só vivos podem morrer.

Assim como os “defensores da família”, os “pró-vida” disfarçam suas verdadeiras intenções: que se mantenha a criminalização do aborto (e por eles, seria crime até mesmo interromper uma gravidez fruto de estupro ou de um feto anencéfalo, únicos casos em que o aborto é legalizado). Não é por realmente considerarem que o feto seja uma “vida” (tanto que no meu registro consta como data de nascimento o dia em que deixei o útero de minha mãe, não quando ela descobriu estar grávida), mas sim por que, na cabeça deles, “mulher decente não transa com qualquer um, gravidez indesejada é coisa de vadias e elas que se explodam!”. Ou seja, o bom e velho machismo, pensamento segundo o qual uma mulher não tem o direito a ser livre.

Não por acaso, a maioria das lideranças “pró-vida” é formada por homens: para nós, que não engravidamos, o aborto sempre foi legal.

aborto

Sobreviventes

Por mais contraditório que possa parecer, gosto do horário de verão. Mesmo preferindo a noite ao dia, e o frio ao calor, acho bom poder ficar até um pouco mais tarde no parque da Redenção – visto que à noite ele não é recomendável. Ou seja: gosto é do horário, não da temperatura de verão.

Hoje é o último dia do atual horário de verão. Iniciado em 20 de outubro, ajudou a reduzir um pouco o consumo de energia elétrica: ouvi no rádio que no Rio Grande do Sul a economia foi de 4%, número que parece baixo mas pode ter sido o que nos salvou do apagão e da insônia proporcionada pelo calor desumano que fez por aqui nas últimas semanas.

O horário de verão termina num dia ventoso, com cara de primavera. Parece ter sido combinado (e espero que realmente tenha): agora, com o horário normal, voltam os dias de temperatura normal, que permitem a vida. Pois o calorão que andava fazendo era de tirar o ânimo. Foram mais de quinze dias consecutivos em que não vivia, apenas existia. E sei que não falo apenas em nome de minha pessoa.

Logo, nada mais perfeito que um sábado como este, ventoso e com duração de 25 horas, para celebrar: sobrevivemos.

Da passagem do tempo

Estava olhando uma fotografia antiga, de minha festa de aniversário em 1988 – ou seja, de quando completei sete anos de idade. Então reparei que estou chegando aos 32 e que, portanto, aquela foto já tem quase um quarto de século (25 anos).

Não raro ouvimos pessoas mais velhas dizendo que têm a impressão de que o tempo passa cada vez mais rápido. É algo estranho, pois há diversas unidades de tempo, mas suas medidas sempre foram as mesmas desde que foram criadas. Um segundo nunca durou mais ou menos que um segundo. Muito embora Albert Einstein tenha “bagunçado tudo” com sua Teoria da Relatividade, que pode ser resumida pela seguinte expressão: “o tempo é relativo”.

Einstein se refere ao tempo físico, aquele que é medido no relógio – e que pode ser nitidamente distorcido em situações possíveis apenas teoricamente (como viajaríamos em uma espaçonave quase à velocidade da luz, sem sermos torrados?). Porém, psicologicamente também é possível ver o tempo como algo relativo. E não pensando apenas em situações em que desejamos que os ponteiros do relógio andem mais devagar ou mais rápido.

Como o caso da foto que falei, batida há quase um quarto de século. Em outubro de 1988, sete anos correspondiam à minha vida inteira. Falar em 25, para mim, era inimaginável: mais que o triplo de tudo o que tinha vivido. Sem contar que sequer tinha ideia real do que era a passagem de sete anos: ninguém tem lembranças desde o nascimento, o que daria uma noção do tempo passado.

Hoje, sete anos correspondem a menos de um quarto de minha existência. Tenho noção do que é a passagem de tal período de tempo: sete anos atrás era 2006, quando completei 25 anos de idade – como diz o ditado, “parece que foi ontem”. Aliás, reparemos que, em 2006, não tinha ideia real do que era um quarto de século – o que só acontece agora, ao ver uma fotografia de 25 anos atrás e perceber que lembro daquele dia.

Assim, fica mais fácil entender a impressão dos mais velhos de que o tempo passa cada vez mais rápido. Quando se é criança, época em que não se tem lembranças muito antigas que permitam dar uma noção da passagem do tempo, um ano parece uma eternidade. Voltando à foto: como demorava para chegar o meu aniversário! E o Natal, então?

Então, o tempo passa, e um ano torna-se um pedaço da vida cada vez menor em termos relativos. A ponto de, hoje em dia, o meu aniversário ser um sinal de que “em dois toques” já será Natal (aquela festa que agora acho chata e, principalmente, repetitiva).

E chega um momento em que já conseguimos “medir o tempo” vivido em décadas. Dez anos já correspondem a menos de um terço de minha existência. A metade, em breve, será 16 anos – a idade que atingi em 1997 e que me encheu de orgulho por me dar o direito ao voto.

Imaginem, então, o que significa um ano para quem já viveu 70, 80, 90…

Breve reflexão acerca de um dia nublado

Porto Alegre teve uma segunda-feira marcada pelas nuvens no céu. Em alguns momentos se tinha a impressão de que o tempo iria abrir; mas ao final da tarde parecia que viria um aguaceiro na região central, com direito a alguns pingos de chuva.

“Dia horrível”, dirá a maioria. Que nos deixa na dúvida sobre levar ou não o guarda-chuva: afinal, pode chover. Ou não. E quantas vezes o tempo “vira” enquanto estamos na rua?

O dia nublado é aquele que se veste de nuvens e se despe de certezas, fazendo o mesmo conosco. Ele sintetiza a vida, que acreditamos estar seguindo um caminho definido, mas na realidade é imprevisível – tendo como única coisa certa a sua finitude.

A vida é uma soma de insignificâncias

O avião é o meio de transporte mais seguro que existe. Mas ao mesmo tempo é também o mais apavorante para muitas pessoas. Afinal de contas, por mais que as estatísticas nos mostrem que morrer em um acidente de carro a caminho do aeroporto é mais fácil do que na aeronave, também sabemos que um erro do piloto pode ser fatal – ou seja, sentimos que nossas vidas está nas mãos de outra pessoa. Quando viajamos de carro, temos a ilusão de que está tudo sob controle: sim, uma ilusão, pois mesmo tomando todos os cuidados necessários quando se dirige, um outro motorista pode estar bêbado ao volante e na próxima curva nos acertar em cheio, de frente, sem que tenhamos tempo suficiente para desviar.

Acredito que tenha sido mais ou menos assim que o papo com o Alexandre Haubrich, do Jornalismo B, tenha tomado a direção que tomou quinta-feira passada, no Parangolé. Resumindo: somos resultados de escolhas que nós mesmos e outras pessoas fazemos. E que, por mais insignificantes que sejam aparentemente, definem o que será de nossas vidas a curto, médio, ou longo prazo. Continuar lendo

Viver bastante vale a pena, seja por muito ou pouco tempo

O título parece uma frase sem sentido, mas não é. Viver bastante, não é a mesma coisa que viver por muito tempo.

Na última segunda-feira, 5 de março, minha avó Luciana completou 90 anos de idade. Mais que isso: 90 anos de vida. Pois ela nunca aceitou aquele papel que costuma ser designado aos idosos, o de apenas existirem. Faz comida (com especial preocupação voltada ao almoço de sábado, que é quando meu irmão e eu costumamos visitá-la), toma cerveja, lava louça, roupa, e até pouco tempo atrás, ia sozinha ao supermercado e ao banco – só não tem mais ido porque já levou dois tombos graças às “maravilhosas” calçadas de Porto Alegre, o que é muito perigoso para quem tem osteoporose.

A verdade é que existir não é igual a viver. Conheço idosos que são “úteis”, não no sentido de “trabalhar para fazer o sistema funcionar” (como pregam os defensores do status quo), e sim, de procurarem fazer alguma diferença, e assim serem importantes para as pessoas que conhecem – e muitas vezes, até para quem não conhecem.

Ao mesmo tempo conheço gente com menos idade que a minha avó, mas que só existe para se alimentar e assistirem televisão – e falo da programação de domingo da TV aberta; antes fossem os documentários do National Geographic ou do Discovery. Sinceramente, não consigo me imaginar vivendo assim: só de tentar, já me vem à cabeça a palavra “depressão”.

Não sei se viverei por tanto tempo, igual à minha avó (que deve ir ainda mais longe). Mas se eu chegar aos 90, quero que seja igual a ela: podendo fazer a maior parte das coisas que gosto. Mas, caso eu tenha muitas limitações, espero que não me impeçam de ler bastante.

Cachorrinha procura um lar

Há cerca de duas semanas, uma cachorrinha de cerca de um ano de idade foi atropelada por um caminhão na Avenida Protásio Alves, bairro Petrópolis, aqui em Porto Alegre. Felizmente, ela foi tratada por uma veterinária, sobreviveu, mas teve de ter amputada uma de suas patas traseiras.

Batizada de Vida, a cadelinha se encontra na sede da ONG Duas Mãos Quatro Patas, à espera de alguém que a adote. Eu não tenho como fazê-lo, mas quem se interessar pode entrar em contato com a ONG através da página, ou deixar o contato com o Guga Türck lá no Alma da Geral.