Quem são os “revanchistas”

Há quem acredite ser “revanchismo” estabelecer uma Comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar. Afinal, isso resultaria em deixar de lado o que fez “o outro lado”, ou seja, a esquerda que lutava contra o regime.

Porém, nessa questão, o verdadeiro “revanchismo” não parte da esquerda, e sim, da extrema-direita, defensora da ditadura militar. Pois ela foi moralmente derrotada com o fim do regime autoritário, tão desejado pelos brasileiros a ponto de saírem às ruas aos milhões em 1984, para pedirem “Diretas Já”. Sem contar que a ditadura deixou o Brasil com a economia em frangalhos, graças às enormes dívidas contraídas para a execução de obras faraônicas.

Até a promulgação da lei de anistia de 1979, apenas a esquerda havia recebido punições: seja por ações armadas como guerrilhas, sequestros e assaltos a bancos (as chamadas “expropriações revolucionárias”), ou por simplesmente não concordarem com o regime militar (caso do jornalista Vladimir Herzog, torturado até a morte em 25 de outubro de 1975).

Ora, se os “criminosos” eram apenas os militantes de esquerda… Por que se anistiou os torturadores em 1979? Por motivos óbvios: já se sabia que a ditadura não iria durar para sempre (afinal, estávamos na “abertura lenta, gradual e segura”), e assim seus apoiadores teriam de prestar contas à sociedade mais cedo ou mais tarde. Para evitar tais “contratempos”, a solução foi anistiar “todo mundo”, mesmo os que jamais haviam sido considerados como criminosos pela ditadura. E assim os torturadores escaparam de serem punidos – diferentemente dos que combateram a ditadura, que já haviam sofrido nas mãos dela própria.

E agora, quando se fala em finalmente se tomar alguma medida de modo a punir os torturadores e “desaparecedores”, eles e seus defensores, em resposta, falam em “necessidade de se julgar os dois lados”. Ou seja, de se empreender punição – de novo! – aos que combateram a ditadura. E como boa parte da mídia defende isso abertamente ou nas entrelinhas (não esqueçamos que ela deu importantíssimo apoio ao golpe em 1964), muita gente inocentemente também acaba sendo favorável a “julgar os dois lados”, sem ter conhecimento do passado.