Grenalização e generalização

Um dito popular do futebol gaúcho é “Gre-Nal arruma ou desarruma a casa”. Impressionante como, de fato, ele acaba fazendo sentido, devido ao enorme e desproporcional peso que tem tal partida para os dois principais clubes do Rio Grande do Sul.

Poderia citar como exemplo o Grêmio em 2014: o “divisor de águas” do time na temporada foi o Gre-Nal decisivo do Campeonato Gaúcho, perdido por 4 a 1 porque o Internacional “tirou o pé”, poupando o Tricolor de uma goleada histórica. Antes o Grêmio vinha relativamente bem, com boas atuações na Libertadores; depois, nada mais deu certo e o time foi eliminado nas oitavas-de-final do certame continental. Mas nada demonstra de forma mais clara a exagerada importância dada ao clássico do que o acontecido em 2009: após derrota por 2 a 1 e eliminação no Gauchão daquele ano, a direção gremista demitiu Celso Roth – que pode não ser o técnico dos sonhos de ninguém, mas é preciso ressaltar que o Grêmio não só estava invicto na Libertadores como também fazia a melhor campanha da fase de grupos. Todo um discurso de priorizar a competição continental foi por água abaixo devido a um jogo válido pelo menos importante certame daquele momento, só porque era Gre-Nal. O resto da história, todo gremista lembra: 40 dias de espera por Paulo Autuori e eliminação na semifinal contra o Cruzeiro, primeiro adversário realmente forte enfrentado – não digo que Roth levaria o Grêmio à final, mas ao menos daria mais trabalho ao time mineiro (com uma boa retranca o Tricolor não teria levado 3 a 1 no Mineirão).

Mas, para além do clássico propriamente dito, há a exagerada rivalidade que ultrapassa os limites daquela chamada “sadia” (que foi o motor do crescimento da dupla Gre-Nal, ultrapassando o âmbito regional). Muitas vezes, se dá tamanha importância ao rival que isso acaba por mascarar defeitos ou virtudes. Em 2003, por exemplo, o Grêmio fez um Campeonato Brasileiro horrível e passou um turno inteiro na zona do rebaixamento, enquanto o Internacional chegou a liderar o certame e quase se classificou para a Libertadores pela primeira vez em 11 anos. Só que na última rodada fomos nós gremistas que festejamos e ainda tocamos flauta: o Grêmio escapou da queda enquanto o Inter levou 5 a 0 do São Caetano quando um empate bastava para ir à Libertadores. Aquela rodada tão “anos 90” me deu a errônea impressão de que 2003 era um “ponto fora da reta”: não percebia que outra linha já estava sendo traçada, como os anos seguintes demonstrariam de maneira tão dolorosa.

Costuma-se dizer que o Rio Grande do Sul é terra de extremos, sem meio-termo. É um fenômeno apelidado de “grenalização”, em óbvia referência à rivalidade que faz parecer que tudo gira em torno de Grêmio e Internacional no tocante ao futebol, como se não houvesse mais nenhum clube no Estado (não por acaso torcidas como a do Brasil de Pelotas costumam levar aos estádios faixas onde se lê “anti-grenal”). Mas o clima de “8 ou 80” não se resume ao futebol. A política, que já teve guerras civis entre chimangos e maragatos no final do Século XIX e no início do XX, hoje se divide aparentemente entre o PT e o “anti-PT”, sendo que o último nem sempre é o mesmo partido: na maioria das vezes o(a) candidato(a) que encarnava o “anti-petismo” era do PMDB, mas já foi do PSDB (como acontece a nível nacional) e atualmente é do PP (que a nível nacional, ironicamente, apoia o governo do PT). Inúmeras questões no Rio Grande do Sul, para além da disputa partidária, geram debates acirrados entre “dois lados”, como se apenas duas opções fossem possíveis.

Quem dera tal prática ser “privilégio gaúcho”. Mas a grenalização está muito presente no debate de ideias em toda parte. Por exemplo, agora estamos em campanha eleitoral no Brasil, e para muitas pessoas isso se resume a uma insana disputa “entre o bem e o mal”, na qual literalmente “vale tudo”. Por anos os setores mais raivosos da direita apelaram para a baixaria contra os candidatos da esquerda (“Lula bêbado”, “Dilma terrorista” etc.) de modo a pintá-los como “a encarnação do mal”; atualmente é utilizado o “terrorismo econômico” devido à possibilidade de Dilma Rousseff ser reeleita no primeiro turno. Mas agora vemos, infelizmente, parte da esquerda também aderindo a esse modelo de disputa “entre o bem e o mal”: nada mais decepcionante (para dizer o mínimo) do que militantes petistas apelarem para a velha “moral de cuecas” conservadora para atacar Aécio Neves, aplicando exatamente os mesmos métodos tão criticados quando usados pelo “lado de lá”; entre setores da esquerda críticos ao governo Dilma (e razões à esquerda para criticar o governo não faltam) o clima de “Gre-Nal” também é forte, com um impressionante e assustador sectarismo. Sem contar a direita mais delirante, que considera até o PSDB “esquerdista”.

Vamos para a política internacional, e é a mesma coisa. Na questão da Palestina, então, a discussão chega às raias do absurdo. Sou favorável à causa palestina e condeno os ataques israelenses, mas por conta disso os mais cegos defensores de Israel dirão que eu defendo o Hamas e sou “antissemita”, como se criticar o Estado de Israel fosse o mesmo que pregar ódio aos judeus e defender o Hamas (aliás, como se todos os palestinos fossem apoiadores de tal organização). Ao mesmo tempo, em caixas de comentários por aí já vi críticos a Israel emitindo opiniões pavorosas, essas sim pregando ódio aos judeus (com direito a um mentecapto inclusive insinuar que o Holocausto não teria acontecido, o que ofende a inteligência de qualquer pessoa com o mínimo conhecimento de História); sem contar que inúmeros judeus condenam os ataques contra o povo palestino, e que muitos jovens israelenses se recusam a prestar serviço militar pelo mesmo motivo. Ou seja, uma questão que é muito mais complexa do que parece acaba reduzida a este estúpido “8 ou 80” – o que, vamos combinar, jamais trará a paz.

O maniqueísmo, a divisão de tudo em “dois lados” (sendo o nosso obviamente correspondente ao “bem”), só serve para perpetuar a ignorância e o ódio. Além de mascarar nossos próprios defeitos – e as virtudes dos outros. A grenalização generaliza, nos leva a esquecer a pluralidade e a acreditar numa falsa dualidade, além de, consequentemente, empobrecer a discussão de ideias. Afinal, é mais fácil acusar o adversário de ser isto, isso e aquilo (afinal, ele é “mau”) do que realmente debater.

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De volta à realidade

Acabou a Copa do Mundo do Brasil, com resultado mais do que justo. A Alemanha, primeira seleção europeia a ser campeã na América, mereceu pelo que fez não só no Mundial (onde somou ao belo futebol uma simpatia incomparável que, seja ou não jogada de marketing, conquistou a torcida brasileira de maneira que nem aqueles 7 a 1 reverteram), como também nos últimos anos.

Torci pela Argentina (por ser sul-americana), que com a derrota segue em seu jejum de títulos: o último foi a Copa América de 1993. Já os alemães voltaram a ganhar uma taça depois de 18 anos (a última fora a Eurocopa de 1996), graças à total reformulação iniciada após o fiasco na Euro 2000 – um modelo que, se não é para ser seguido à risca pelo Brasil (afinal, somos diferentes da Alemanha), ao menos deveria servir de inspiração para a reconstrução do futebol brasileiro.

Agora, é voltar à realidade:

  • Depois da Copa do Mundo com segunda melhor média de público de todos os tempos, marcada por grandes jogos, é hora de voltar a assistir partidas de baixo nível técnico em estádios que muito raramente lotam. Algo do tipo Coritiba x Figueirense, que jogam quarta-feira às 19h30min pelo Campeonato Brasileiro;
  • Na Argentina, o segundo semestre de 2014 terá o Torneo Transición, e em 2015 o Campeonato Argentino abandonará o calendário europeu. Mas, passará a ser disputado por 30 clubes numa fórmula que não entendi, mostrando que o futebol no país vizinho (sob o comando de Julio Grondona desde 1979) também precisa de uma “arejada”;
  • Semana que vem, recomeça a Libertadores em sua fase semifinal. Sem nenhum clube brasileiro: é verdade que a maioria dos convocados para a Seleção Brasileira hoje em dia jogam na Europa, mas não ter nenhum representante do Brasil nas semifinais da principal competição de clubes da América do Sul poderia ter servido de alerta para o que nos aguardava na Copa, né? E reparemos que a Seleção passou por Chile e Colômbia “com as calças na mão” como diz o ditado – para depois ser humilhada diante da Alemanha;
  • Os protestos contra a Copa não chegaram nem perto de igualar as grandes multidões que foram às ruas em 2013, é verdade. O que cresceu foi a repressão, e nada faz crer que ela diminuirá porque o Mundial já é passado;
  • Enquanto acompanhávamos as partidas decisivas da Copa do Mundo, Israel atacava novamente a Faixa de Gaza, matando mais de 100 palestinos com a desculpa de reagir a foguetes lançados pelo Hamas contra território israelense. Uma reação, para variar, desproporcional de um país dono de um dos exércitos mais bem preparados do mundo contra um povo oprimido há décadas;
  • E a campanha eleitoral já começou, com direito a desmiolados querendo culpar Dilma pela derrota da Seleção. Isso é só o começo do que veremos até outubro…

Olimpicamente político (ou politicamente olímpico)

Os Jogos Olímpicos de Londres terminaram ontem, e a Grã-Bretanha teve um de seus melhores desempenhos na história olímpica: com 29 ouros, os britânicos acabaram em terceiro lugar no quadro de medalhas, embora tenham subido menos vezes ao pódio do que a Rússia (que obteve 24 ouros e 82 medalhas no total, contra 65 da Grã-Bretanha).

Porém, nesta mesma semana ouvi a notícia de que o Estado britânico cortará investimentos em esportes, devido à recessão que atinge o país – fruto da crise econômica quase que generalizada na Europa. Ou seja, os britânicos investiram bastante apenas com vista aos Jogos de 2012, para irem bem em casa – provavelmente, o governo temia que sua popularidade caísse com um mau desempenho da Grã-Bretanha, como se a população já não tivesse outros problemas para se preocupar.

A verdade é que os Jogos Olímpicos há muito tempo são uma arma política, vistos como oportunidade de um país demonstrar, através do esporte, que é uma potência. Não por acaso a China, que busca se afirmar como a nova superpotência mundial, também cresceu muito na área esportiva – por mais contestáveis que sejam seus métodos de formação de esportistas, assim como eram os de extintos países do antigo “bloco socialista” como União Soviética e Alemanha Oriental.

Sendo assim, relembremos alguns outros momentos em que os Jogos tiveram importância não só esportiva, como também política. Continuar lendo

Documentário sobre a ocupação israelense na Palestina

Dirigido por Sufyan Omeish e Abdallah Omeish, o documentário “Occupation 101: Vozes da Maioria Silenciada” (que encontrei no Dialógico) tem 87 minutos de duração, e aborda a história da ocupação israelense na Palestina. Logo no início, fala sobre outros episódios de terrorismo de Estado, em que destaco o apartheid na África do Sul e uma fala de Nelson Mandela:

É inútil e fútil para nós continuar as conversações de paz e não-agressão contra um governo que revida e apenas ataca selvagemente as pessoas desarmadas e indefesas.

Manifestação em apoio à luta do povo palestino

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Aconteceu na manhã desta terça-feira um ato contra o genocídio na Faixa de Gaza. A concentração foi em frente à Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (onde também foi formado um comitê de solidariedade ao povo palestino), e depois ocorreu caminhada pelas ruas do Centro até a Esquina Democrática.

O ato contou com a presença de deputados estaduais e também com representantes da colônia palestina de Rosário do Sul.

Para ver mais fotos do ato, clique aqui.

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Atualização: Gravei alguns vídeos na manifestação e coloquei no YouTube.

Liberdade aos “Shministim”!

A palavra “shministim” significa “secundarista” em hebraico. Alguns deles foram, estão ou serão presos por recusarem o alistamento no exército de Israel, por objeção de consciência. Eles não concordam com a ocupação dos territórios palestinos, e sofrem pressão de familiares, amigos e do próprio governo israelense.

No dia 18 de dezembro de 2008, foi iniciada uma campanha mundial pela libertação destes estudantes, mediante o envio de cartões e mensagens eletrônicas ao Ministro da Defesa de Israel. Clique aqui e faça a sua parte.

A mídia e o massacre em Gaza

O texto abaixo foi postado em comentário do leitor Paulo Cesar no blog RS Urgente.

Doze Regras de Redação da Grande Mídia Internacional Quando a Notícia é do Oriente Médio
Adaptado de um texto em francês de autoria desconhecida

  1. No Oriente Médio, são sempre os Árabes que atacam primeiro e sempre Israel que se defende. Esta defesa chama-se represália.
  2. Os Árabes, Palestinos ou Libaneses, não têm o direito de matar civil. Isso se chama “Terrorismo”.
  3. Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama “Legitima Defesa”.
  4. Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedido. Isso se chama “Reação da Comunidade Internacional”.
  5. Os Palestinos e os Libaneses não têm o direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama “Seqüestro de Pessoas Indefesas”.
  6. Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos Palestinos e Libaneses desejar. Atualmente são mais de 10.000 dos quais 300 são crianças, e 1.000 são mulheres. Não é necessário qualquer prova de culpabilidade. Israel tem o direito de manter os seqüestrados presos indefinidamente, mesmo que sejam autoridades democraticamente eleitas pelos Palestinos. Isso se chama “Prisão de Terroristas”.
  7. Quando se menciona a palavra “Hezbollah”, é obrigatório a mesma frase conter a expressão “apoiado e financiado pela Síria e pelo Irã”.
  8. Quando se menciona “Israel”, é proibida qualquer menção à expressão “apoiado e financiado pelos Estados Unidos”. Isso pode dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não está em perigo existencial.
  9. Quando se referir a Israel, são proibidas as expressões “Territórios Ocupados”, “Resoluções da ONU”, “Violações de Direitos Humanos” ou “Convenção de Genebra”.
  10. Tanto os Palestinos quanto os Libaneses são sempre “covardes” que se escondem entre a população civil, a qual “não os quer”. Se eles dormem em suas casas com as suas famílias, a isso se dá o nome de “Covardia”. Israel tem o direito de aniquilar com bombas e mísseis os bairros onde eles estão dormindo. Isso se chama “Ações Cirúrgicas de Alta Precisão”.
  11. Os Israelenses falam melhor o Inglês, o Francês, o Espanhol e o Português que os Árabes. Por isso eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados e ter mais oportunidade do que os Árabes para explicar as presentes Regras de Redação (de 1 a 10) ao grande público. Isso se chama “Neutralidade Jornalística”.
  12. Todas as pessoas que não estão de acordo com as Regras de Redação acima expostas são “Terroristas Anti-Semitas de Alta Periculosidade”.