“Roubei” a imagem abaixo do Moldura Digital – o Valter, por sua vez, a “roubou” do Vi o Mundo, do Luiz Carlos Azenha. A revista IstoÉ publicou uma foto alterada no Photoshop, sem o “Fora Serra” que aparecia na original. Ficou apenas a manifestação do MST e uma placa rodoviária de “pare” que, com a inscrição “MST” abaixo dá a clara idéia do que a reportagem quer dizer: defende a repressão ao MST.

Como disse o Valter, “não é só a Veja que faz merda no mundo editorial brasileiro”. Evidente. Faz tempo que outras revistas semanais brigam com a notícia para atender a seus interesses políticos e, principalmente, comerciais.
Abaixo, o Valter lembra que nenhum meio de comunicação que se pretenda “sério e isento” deveria agir de tal forma, ou que pelo menos deveria assumir seu lado. E este é um grande problema.
No final do século XIX e início do século XX, a imprensa no Brasil era, em geral, totalmente parcial. Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, o jornal de maior circulação era A Federação, propriedade de Julio de Castilhos, e que era um verdadeiro panfleto do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), que dominou a política gaúcha até a década de 1930. O jornal concorrente era do partido de oposição. Foi neste contexto que surgiu o Correio do Povo, em 1895: com a pretensão de ser “imparcial” e manter distância dos principais partidos do Estado, era impresso em papel rosa, para simbolizar sua independência frente ao branco republicano e o vermelho federalista, que recém haviam ensangüentado o Rio Grande do Sul na chamada Revolução Federalista (1893-1895).
Com o tempo, os jornais partidários entraram em decadência, pois houve um aumento do público leitor dos jornais ditos “imparciais”, que tinham por objetivo “informar” e não defender interesses político-partidários. Bom, pelo menos não de forma aberta como era feito nos jornais partidários.
Mas os jornais ditos “imparciais” tinham outra vantagem em relação aos partidários: eram empresas que visavam ao lucro. Logo, tinham a obrigação de precisarem “informar” seus leitores para que, além de vender mais exemplares, fosse mais fácil obter anunciantes – a verdadeira maior fonte de renda de um jornal. Pois não pegaria bem anunciar em um jornal sem credibilidade – isto poderia afastar consumidores em potencial dos produtos anunciados.
Com o tempo, estes jornais “imparciais” passaram a, literalmente, ser uma “autoridade”, influenciando as decisões políticas e as discussões cotidianas na sociedade. Dá para traçar um paralelo com o que diz Pierre Bourdieu¹ a respeito do jornal francês Le Monde:
Pode-se dizer que, no universo do jornalismo escrito, Le Monde ditava a lei. Havia já um campo, com a oposição, estabelecida por todos os historiadores do jornalismo, entre os jornais que dão news, notícias, variedades, e os jornais que dão views, pontos de vista, análises etc.; entre os jornais de grande tiragem, como o France Soir, e os jornais de tiragem relativamente mais restrita mas dotados de uma autoridade semi-oficial. Le Monde estava bem situado sob os dois aspectos: era suficientemente grande por sua tiragem para ser um poder do ponto de vista dos anunciantes e suficientemente dotado de capital simbólico para ser uma autoridade. Acumulava os dois fatores do poder nesse campo.
Aqui no Rio Grande do Sul, era esta a situação do Correio do Povo até a década de 1970: tinha grande tiragem e era uma “autoridade”. Meu pai lembra que a Zero Hora era um jornal sensacionalista tal qual o Diário Gaúcho, e inventava tantas notícias que era chamada de “mentirosa” – e ainda é assim que um tio meu se refere à ZH. Com a crise do grupo Caldas Júnior, no início da década de 1980, a Zero Hora contratou os principais jornalistas do Correio do Povo, em busca do capital simbólico que lhe faltava para poder “ditar a lei”. Se hoje está muito longe de ser um jornal imparcial, pelo menos a Zero Hora é menos ruim que seu “filhote”, o Diário Gaúcho.
Bom, mas onde quero chegar com tudo isto que escrevi? O que tem a ver com “as dificuldades da mídia de esquerda”? Tem tudo a ver.
Segunda-feira à noite, em conversa com colegas no intervalo da aula, falamos sobre a mídia em geral, com destaque para as revistas semanais: uma colega assinante da CartaCapital chamou atenção para o fato de que a tiragem da revista é de aproximadamente 75 mil exemplares (se não me falha a memória), enquanto a da Veja é de mais de um milhão.
Pois bem: a CartaCapital tem uma clara linha editorial de esquerda, enquanto a Veja é ultra-reacionária. Porém, a Veja sempre faz questão de lembrar “a sua primeira capa”, que mostravam uma foice e um martelo (símbolo do comunismo) em plena ditadura militar, como exemplo de “jornalismo corajoso”, para induzir o leitor a pensar que trata-se uma revista que jamais será “chapa branca”. Some-se isto ao fato de ter grande tiragem, que se entende a razão da Veja ter tornado-se uma “autoridade”, e quem não faz uma leitura crítica acaba acreditando que as palavras ali escritas são “a verdade”. Mesmo que hoje em dia as críticas a ela sejam muitas, elas estão restritas à esquerda. E a CartaCapital, que oferece um contraponto ao que diz a Veja, tem muito menos circulação.
Como superar este problema? Pois uma publicação de esquerda com tom panfletário não só afasta os leitores que não sejam de esquerda, como também não atrai anunciantes por não ser lucrativa. Uma revista isenta de influências partidárias tem o problema da publicidade: determinadas matérias poderão ir de encontro aos interesses dos anunciantes, e deixar de publicá-las para não perder o patrocínio faz com que a publicação deixe de ser realmente livre.
Restam os blogs: muitos oferecem uma visão crítica sem serem panfletários e ao mesmo tempo são livres, as postagens não sofrem influência de interesses comerciais. Porém, não são tão lidos como poderiam, oferecem um contraponto à mídia comercial apenas aos que têm acesso à internet e têm interesse em buscar uma outra opinião.
P. S.: Mal eu ia terminando de escrever, decidi procurar por uma postagem do Palanque do Blackão que falava sobre o fato dos blogs não atingirem um público além da esquerda. E coincidentemente, hoje mesmo o Hélio postou sobre o assunto, lembrando que o discurso de esquerda muitas vezes é extremamente partidário, “panfletário”, não produzindo diferença na sociedade, e que é preciso defender não partidos, e sim, causas. Leia mais lá no Palanque do Blackão.
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¹ BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, pp. 60-61.
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