A inútil “lei dos estrangeirismos”

Hoje, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um projeto de lei do deputado Raul Carrion (PCdoB) que estabelece a obrigatoriedade de tradução para a língua portuguesa de palavras estrangeiras utilizadas em meios de comunicação, publicidade etc. A ideia é limitar o uso de expressões originadas de outro idioma no dia-a-dia.

Sou favorável a limitar o uso de palavras estrangeiras. Nada mais tosco do que, no Brasil, existir uma autoestrada chamada de free-way (o trecho duplicado da BR-290 entre Porto Alegre e Osório), se ver cartazes de liquidação falando em “50% off” (quando se poderia muito bem usar “desconto de 50%”), ou lojas usando em seus nomes a expressão store, que em inglês significa… Loja!

Percebe-se que a expressão em inglês é usada para dar mais “prestígio” ao que ela designa, e um exemplo bem simples é encontrado em Porto Alegre: em 1970 foi inaugurado o Centro Comercial João Pessoa, primeiro estabelecimento desse tipo na cidade. Naquela época, a expressão inglesa shopping center ainda era pouco usada no Brasil. Foi quando o Iguatemi chegou a Porto Alegre (1983), com o nome de shopping center. Pronto: todos os posteriores também foram chamados de shopping… E o próprio Centro Comercial João Pessoa tornou-se shopping, embora muitos (inclusive eu) ainda o chamem de “centro comercial”.

Assim, quem leu os parágrafos acima deve achar que sou favorável à lei de Carrion. Porém, sou contra. Por um motivo bem simples: é tosco se usar expressões em inglês por mais status (óia!) mas, a língua portuguesa não é algo rígido, imutável. De vez em quando, a grafia de certas palavras é alterada – como vimos no acordo ortográfico – e expressões originadas de outros idiomas são, sim, incorporadas. Ou seja, uma lei para regrar o uso da língua não serve para absolutamente nada, a não ser chamar a atenção para o autor dela.

E nem é preciso falar da informática, onde isso é mais visível. O futebol nos oferece alguns bons exemplos:

  • A própria palavra “futebol” é o aportuguesamento de foot-ball;
  • A gíria “becão” (geralmente usada para designar aquele zagueiro mais “grosso”) é o aumentativo de “beque” (outra gíria), que vem de back;
  • “Chute” é o aportuguesamento de shot (tiro);
  • “Gol” vem de goal (objetivo);
  • “Time” é team (equipe).

Se houvesse uma “lei Carrion” quando da chegada do futebol ao Brasil, talvez falássemos “ludopédio” ou “bola ao pé”, “tiro”, “objetivo” ou “meta”, dentre outras palavras em português. Não haveria uma distorção de sentido, mas ao mesmo tempo, sem as palavras de origem inglesa o futebol não teria uma espécie de “vocabulário próprio”: quando lemos ou ouvimos “gol”, pensamos em alguém mandando a bola para a rede, e não neste que vos escreve celebrando por seu “plano infalível” de conquistar a Natalie Portman dar certo.

É o que também faz a informática ter seus termos específicos, como chip (como se diz isso em português?) e o incorporado verbo “deletar” (vem do inglês delete, que por sua vez é de origem latina, como a língua portuguesa!), que tem o mesmo significado de “apagar”: até há quem fale em “apagar o arquivo”, mas nunca vi ninguém “deletar a luz”…

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Importante ressaltar que eu falei sobre o português falado no Brasil. Pois em Portugal, certas expressões inglesas que usamos são substituídas por palavras em português. Lá, por exemplo, no computador se usa “rato”, e não mouse; blog é aportuguesado para “blogue”; site para “sítio”; assim como no futebol se grita “golo” de uma “equipa”.