Ainda estamos longe de um Estado laico

O texto de quarta, no qual foi feita comparação entre o papa Francisco e outras personalidades de destaque que adotam estilos de vida “simples” – no caso, o presidente uruguaio José Mujica e, principalmente, o ex-governador gaúcho Olívio Dutra – foi responsável pelo que provavelmente é o recorde de visitas ao Cão em apenas um dia. Superou inclusive a véspera da abertura da Copa do Mundo de 2010, quando meus palpites para o Mundial escritos logo após o sorteio dos grupos atraíram inúmeras pessoas que tinham dúvidas antes de apostar em bolões.

Porém, não resultou apenas em “audiência”. Gerou também intolerância. Não me refiro aos católicos que se sentiram incomodados com críticas ao papa: acho compreensível que eles defendam o líder máximo de sua religião. Porém, alguns foram além, ignorando inclusive o que o próprio papa defendeu, surpreendendo a muitos: o Estado laico.

Quem lê o Cão sabe que sou ateu. Não é “rebeldia”, “demônio”: simplesmente não acredito na existência de algum deus. É um direito meu não acreditar, assim como é direito seu, leitor, expressar sua fé caso a tenha.

O próprio papa defendeu, em nome da convivência pacífica entre as diversas religiões, o Estado laico. E eu defendo também para que direitos não sejam negados por motivos religiosos. Casos do aborto, do casamento homossexual e da eutanásia: são “pecados” para os cristãos, e por isso muitos deles se sentem no direito de querer que toda a população seja obrigada a seguir seus preceitos religiosos; e é o que acontece na prática, pois, por exemplo, mesmo a mulher ateia só pode interromper a gravidez caso ela seja fruto de estupro, implique em risco de morte ou o feto seja anencéfalo (azar o dela se achar que não é a hora certa, não tiver condições financeiras ou simplesmente não quiser filhos, segundo nossa legislação).

Estado laico, como todos já sabemos (ou deveríamos saber) não é Estado ateu. O último caso se verificou em alguns países como a Albânia “socialista” (1945-1991), onde o ateísmo fazia parte da doutrina do Estado e todas as manifestações religiosas eram proibidas. É contrário à liberdade religiosa, e por isso mesmo, à própria liberdade.

Por isso, deve ser laico. Nem religioso (caso do tão criticado Irã), nem ateu. Apenas acima de qualquer crença e não-crença, para que todos tenham a mesma liberdade. Mas pelo visto, ainda será necessário percorrer um longo caminho.

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Vitória (mesmo que parcial) do Estado laico

Hoje, a Justiça do Rio Grande do Sul tomou uma decisão histórica. Por decisão unânime do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado, foi determinada a retirada dos símbolos religiosos (leia-se crucifixos) dos espaços públicos pertencentes ao Judiciário gaúcho. O processo fora protocolado em novembro passado por organizações de defesa dos homossexuais, e inicialmente rejeitado com base no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 – que segundo o STF, não possui força normativa.

A decisão parou nas mãos do desembargador Cláudio Baldino Maciel, segundo vice-presidente do TJ, que decidiu levar o tema ao Conselho da Magistratura, onde a ação foi aprovada. Agora é só esperar a decisão transitar em julgado para que os crucifixos sejam retirados.

Certamente vai aparecer alguém para criticar o “ataque à liberdade religiosa”. Pois eu digo que isso é exatamente o contrário: trata-se de uma verdadeira consagração da liberdade religiosa.

Muito simples: a Constituição Federal diz que a República Federativa do Brasil é um Estado laico. Isso quer dizer que o Estado brasileiro não pode privilegiar (ou prejudicar) nenhuma pessoa por conta da religião que ela segue – ou até por não seguir nenhuma. Assim como não pode impor determinada crença – ou mesmo “não-crença”, casos do agnosticismo e do ateísmo – à população (entenderam, deputados da “bancada evangélica”?).

Ou seja, o Estado laico é neutro em termos religiosos. E não basta sê-lo na prática: é preciso que também seja assim simbolicamente. Pois pendurar crucifixos nas paredes de tribunais pode não prejudicar um seguidor de outra religião (ou quem não tem nenhuma) nos processos judiciais, mas não deixa de significar um desprestigio à sua crença (ou não-crença). Daí a necessidade de tratar a todas igualmente, ou seja, sem símbolo de nenhuma delas.

E o fato de que a maioria da população brasileira é cristã não é argumento convincente para manter os crucifixos em espaços públicos do Judiciário (aliás, espero que a decisão sirva de exemplo a outros órgãos públicos). Quem defende a manutenção dos crucifixos por conta da maioria cristã, que pelo menos seja coerente e não ouse criticar o Irã por aplicar a lei islâmica: lá a maioria da população é muçulmana. O Estado também… (Muito embora seja bom não acreditar piamente em tudo o que se diz sobre o Irã.)

Será que o Irã é tudo isso que dizem?

Sábado à tarde, assisti ao final do programa “Zonas de Guerra” sobre o Irã no canal National Geographic. O pouco que vi, recomendo a todos que repetem ipsis litteris o senso comum sobre aquele país.

Em Teerã, o repórter-apresentador visitou judeus, que inclusive frequentam sinagogas. Isso mesmo: em um país majoritariamente (e oficialmente) muçulmano, e cujo presidente já defendeu a destruição do Estado de Israel (e vale lembrar que o programa foi gravado após tais declarações de Mahmoud Ahmadinejad), os judeus têm direito a expressarem sua fé. O Estado iraniano reconhece algumas minorias religiosas do país, e reserva a elas cadeiras no parlamento – ou seja, no Irã os judeus têm inclusive um representante político.

É realmente de se ficar com a “pulga atrás da orelha”: será que tudo o que já se falou sobre o Irã é simplesmente mentira? Bom, acredito que não: como disse, assisti apenas ao final do programa. Não sei se na boa parte que perdi, não se falou alguma coisa sobre as penas de morte por apedrejamento, os direitos das mulheres etc. Sem contar que o fato de que o Estado reconhece algumas minorias religiosas quer dizer que outras não têm tal distinção, e assim podem ser alvo de perseguições.

Mas ao menos, o programa oferece uma oportunidade de se conhecer um pouco do “outro lado” do Irã, que a mídia corporativa brasileira, “tão imparcial e democrática”, insiste em não mostrar.

A fome no mundo em 2009

Um dos textos mais lidos do Cão Uivador é o que escrevi em 13 de setembro de 2007, comentando o “mapa da fome” feito pela FAO, que tinha dados de 1970 a 2003.

E agora descobri um mapa mais atualizado (2009) sobre este triste flagelo da humanidade, que também merece alguns comentários. Os países são divididos em cinco categorias: a primeira engloba os que têm menos de 5% da população subnutrida; a segunda, vai de 5 a 9%; a terceira, de 10 a 19%; a quarta vai de 20 a 34%, e a quinta corresponde aos países onde 35% ou mais da população sofre de subnutrição.

A situação da África, por exemplo. Mudou muito pouco desde 2003. Naquela ocasião, apenas cinco países africanos estavam na categoria 1: Líbia, Argélia, Tunísia, Egito e África do Sul (único que não se localiza na “África árabe”, setentrional). Agora, mais dois países se juntaram ao seleto grupo: Marrocos (África setentrional) e Gabão (central) – ou seja, a maioria ainda é de países do norte do continente, árabes e muçulmanos (os “malvados” segundo a visão de mundo tosca de muitos).

E por falar em muçulmanos, é digna de nota a situação do Irã, atual “perigo mundial”: segundo o mapa, a subnutrição era um problema para menos de 5% da população iraniana. Ou seja, o país está na mesma categoria que a maior parte da Europa.

Sim, “maior parte”, e não “toda” a Europa. A fome é uma realidade um pouco mais dolorosa para Eslováquia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro, Albânia, Bulgária e Moldávia. Países da Europa Oriental, poderá lembrar algum fã da “civilização” e do liberalismo, que ainda dirá que a fome “é fruto do comunismo” – mas convém lembrar que, exceto a Albânia (país mais pobre da Europa), eles não sofriam de tais problemas antes da queda dos regimes “socialistas”; e também que destes oito países, dois integram a União Europeia (Eslováquia desde 2004 e Bulgária desde 2007), que diziam ser “o paraíso”. Dentre os oito, há até mesmo integrantes da categoria 3 (10-19%), caso de Sérvia, Montenegro e Moldávia.

Já na América Latina, nada mudou muito. Cuba continua com menos de 5% de sua população subnutrida, assim como Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica e México (os dois últimos, novidades em relação a 2003).

O Brasil está um pouco abaixo, de 5% a 9% de subnutrição. Em 2003, o país se enquadrava entre 5 e 15% (ou seja, o critério para categorização era um pouco diferente), e provavelmente o percentual de pessoas subnutridas tenha baixado devido aos programas sociais do governo federal.

Teremos sanções ao Estado de Israel?

Revoltante. Enojante. Covarde.

São essas as três primeiras palavras que me vêm à cabeça para descrever o criminoso ataque israelense a navios que levavam ajuda humanitária à Faixa de Gaza, submetida a um bloqueio por parte de Israel há três anos. Não bastasse a barbárie em si, ainda há outro agravante: aconteceu em águas internacionais. Ou seja, sequer havia a justificativa de “ingresso não-autorizado” em águas israelenses.

E depois ainda falam em “fundamentalismo islâmico”. Mas tão ou mais fundamentalistas são aqueles que consideram uma frota humanitária como “terrorismo” (querem ver que Israel vai dar essa justificativa?); ou os que vêem o Irã como “ameaça mundial” por querer desenvolver um programa nuclear – que até agora ninguém provou ser destinado à fabricação de armas -, mas têm bombas atômicas suficientes para destruir várias vezes o planeta.

A propósito, se o Irã é “ameaça mundial” por querer desenvolver um programa nuclear, o que dizer de Israel, que tem bombas atômicas e não faz o menor esforço pela paz? Cadê as sanções???

Plínio de Arruda Sampaio

Ontem o pré-candidato do PSOL à presidência da República, Plínio de Arruda Sampaio, esteve em Porto Alegre, onde participou de eventos e deu entrevistas a rádios e televisão.

Duas delas, à Rádio Gaúcha e à Rádio Bandeirantes de Porto Alegre, são as que indico (há também uma à TVCOM que infelizmente não assisti). Simplesmente sensacionais, principalmente a segunda, mais longa, na qual Plínio fala sobre o MST, o Irã e a necessidade urgente de se investir em educação no Brasil – e não apenas em nível superior, como principalmente na instrução básica.

Se eu já havia declarado que não votaria em Dilma no 1º turno e Plínio crescia no meu “votômetro”, agora digo que meu voto para presidente está praticamente definido. Cliquem e ouçam:

As Copas que eu vi – Alemanha 2006

No final da tarde do dia 4 de setembro de 2005, me reuni com o meu amigo Diego Rodrigues para tomar cerveja e comer uns pastéis na pastelaria “República do Pastel”. O local, propriedade de um uruguaio, era ponto de encontro de orientales que vivem em Porto Alegre em dias de jogos da Celeste Olímpica. Caso daquele domingo, em que Uruguai e Colômbia se enfrentavam no Estádio Centenário, em Montevidéu, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006, que se disputaria na Alemanha.

Naquele momento, eu nem imaginava que, em menos de seis meses, estaria no local que via pela televisão. Conversávamos sobre desilusões amorosas, e foi quando eu disse que “o amor é regido pela Lei de Murphy”. O Diego gostou tanto do que falei, que parou um garçom, pediu uma caneta emprestada e anotou a frase em um guardanapo que guardou consigo até o início de 2010, quando me repassou o que é um verdadeiro documento histórico.

Outra coisa que eu não imaginava, era que o Uruguai acabaria ficando fora da Copa. A vitória por 3 a 2 naquele jogo contra a Colômbia foi fundamental para a Celeste chegar à repescagem contra a Austrália, treinada por Guus Hiddink. Na primeira partida, em Montevidéu, 1 a 0 para o Uruguai. Quatro dias depois, em Sydney, 1 a 0 para os australianos nos 90 minutos. Na prorrogação, não foram marcados gols, e assim a decisão foi para os pênaltis. E a vitória foi dos Socceroos por 4 a 2: a Austrália voltava à Copa do Mundo depois de 32 anos – a última (e única) participação fora em 1974, ironicamente também na Alemanha (embora fosse apenas a Ocidental). Continuar lendo

Por que não confiar no Irã?

Após mediação brasileira, o Irã aceitou um acordo sobre seu programa nuclear – repassará urânio pouco enriquecido à Turquia, que em troca cederá aos iranianos urânio enriquecido em 20% para uso médico. As principais potências ocidentais (Estados Unidos, Grã-Bretanha, dentre outras) dizem que o acordo é “vago”, e que é preciso esperar para ver se o presidente Mahmoud Ahmadinejad irá cumpri-lo. Ou seja: acham que ele não é confiável.

Mas, afinal, por que não confiar no Irã? Pois justamente quem diz que Ahmadinejad não é confiável e que “ele burlará o acordo para construir uma bomba atômica”, é dono dos maiores arsenais nucleares, com capacidade para destruir o planeta várias vezes (e acham que têm moral para dizer que o Irã não pode ter bomba atômica).

Além disso, não podemos esquecer do passado: os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003 porque o ditador iraquiano Saddam Hussein teria “armas de destruição em massa” (que lhes foram repassadas pelos próprios Estados Unidos, para que fossem usadas contra o Irã na década de 1980). Sete anos depois, só um cego não percebe o tamanho da farsa montada para justificar a invasão, que tinha por único objetivo obter o controle do petróleo iraquiano.

Convenhamos, não é mais fácil confiar no Irã do que nos Estados Unidos?

As Copas que eu vi: França 1998

O ano de 1998 começou de forma terrível para mim. Tão ruim que antes mesmo do Carnaval (que é quando começam, na prática, todos os anos no Brasil), eu já queria que chegasse logo 1999. Tudo por causa daquele 5 de janeiro, que considerei como o pior dia da minha vida por quase nove anos.

Mas, aos poucos, aquela dor perdeu boa parte de sua intensidade, e o ano de 1998 foi se transformando em ótimo. Primeiro, porque em abril foi confirmado que aconteceria em agosto a viagem a Montevidéu, para a realização de intercâmbio cultural entre o Colégio Marista São Pedro – onde cursei o 2º grau (1997-1999) – e o Instituto de los Jóvenes (IDEJO), colégio da capital uruguaia. Mas também porque se aproximava a Copa do Mundo da França. Enfim, chegava ao fim aquela longa espera de quatro anos iniciada em julho de 1994! E desta vez haveria mais jogos: o número de seleções participantes foi ampliado de 24 para 32. Continuar lendo