Pouco antes da Copa do Mundo de 1998, foi muito comentada uma tal de “pirâmide da Copa”, divulgada provavelmente por um jornal inglês (não recordo com exatidão). Segundo ela, a Inglaterra ganharia o Mundial da França por mera “questão geométrica”.
O topo da tal “pirâmide” correspondia à Copa de 1982, vencida pela Itália. No degrau abaixo (à esquerda e à direita), as conquistas da Argentina em 1978 e 1986. Descendo mais um pouco, dois títulos da Alemanha (1974 e 1990). Na sequência, a correspondência entre 1970 e 1994, Copas vencidas pelo Brasil. Logo, o campeão de 1998 seria o mesmo de 1966. Portanto, daria Inglaterra.
Porém, o English Team caiu cedo, nas oitavas-de-final, perdendo nos pênaltis para a Argentina. E aquela Copa, como bem lembramos, foi vencida pela França. A “pirâmide” estava sepultada, como mais uma superstição que perdia o sentido, certo?
Errado! Pois houve coincidências entre as Copas de 1966 e 1998, sim. A primeira delas: suas campeãs (Inglaterra e França) conquistavam o título pela primeira vez, e jogando em casa. Mas teve mais: em ambos os Mundiais seleções estreantes acabaram em 3º lugar e também tiveram o artilheiro – Portugal e Eusébio (1966), Croácia e Suker (1998).
Desta forma, a “pirâmide” continuava em vigor, e apontava que não era preciso toda aquela preocupação com a má campanha brasileira nas eliminatórias do Mundial de 2002: o campeão seria o mesmo de 1962, portanto, o Brasil. E em 2006 a Seleção seria campeã mais uma vez, jogando na Europa da mesma forma que em 1958… Exatamente como o previsto.
Até 2002 tudo funcionou direitinho, mas em 2006 a “pirâmide” foi novamente sepultada: o Brasil foi eliminado nas quartas-de-final, e a Itália foi campeã. Poderia ser um “ponto fora da reta”, e em 2010 as coisas voltariam ao normal com a Alemanha ganhando a taça, da mesma forma que em 1954. E, de fato, os alemães jogaram muito na África do Sul, mas quem levou a Copa foi a Espanha.
Desta forma, soa absurdo lembrar novamente a “pirâmide”, segundo a qual o campeão de 2014 seria o mesmo de 1950 – ou seja, o Uruguai. Porém, há fantasmas que não vão embora.
Todos temos acontecimentos traumáticos em nossas vidas. Feridas que parecem jamais cicatrizar. Por mais coisas boas que aconteçam, aquele dia em que tudo saiu errado dá a impressão de que sempre está a espreita, pronto para voltar.
Algo assim se passa sempre que brasileiros e uruguaios se enfrentam no futebol: é como se fosse ligada uma máquina do tempo que sempre leva todos (jogadores, torcedores, jornalistas etc.) de volta a 16 de julho de 1950. O Brasil, mesmo com cinco Copas do Mundo conquistadas após aquele dia, ainda sente a dor da derrota em casa. Já para o Uruguai, mesmo nos piores momentos vividos por seu futebol nas décadas de 1990 e 2000, as lembranças daquela vitória davam a sensação de que sí, se puede: se batera uma seleção mais forte e que contava com o apoio de 200 mil pessoas no estádio, nada era impossível.
Nada era, e nada é. Até 2006, provavelmente o maior alento ao sonho uruguaio de voltar a ganhar uma Copa do Mundo era a tal “pirâmide”. Que, como foi dito, “morreu” quando Zidane e Henry acabaram com o Brasil nas quartas-de-final. Vale lembrar que o Uruguai sequer disputou aquele Mundial, tendo sido eliminado pela Austrália na repescagem.
A Celeste voltou à Copa em 2010, novamente via repescagem, quando derrotou a Costa Rica. Ninguém esperava muito, mas os orientales voltaram a acreditar que era possível: o Uruguai passou com dificuldades pela Coreia do Sul nas oitavas-de-final, é verdade, mas superou Gana em uma partida dramática nas quartas e deu trabalho à fortíssima Holanda nas semifinais. Como se não bastasse, Forlán ainda foi eleito o melhor jogador do Mundial.
Em 2011, mais sinais do “renascimento”. Na Libertadores, o Peñarol foi vice-campeão diante do Santos, 23 anos após a última vez que um clube uruguaio chegara à final. Um mês depois, a Celeste conquistou a Copa América na Argentina, e credenciava-se, assim, a obter a classificação para o Mundial de 2014 com facilidade.
Porém, não foi o que aconteceu. Após arrancar bem nas eliminatórias, o Uruguai “patinou”, e chegou a correr riscos de ficar fora da Copa do Mundo. No fim, conseguiu acabar em 5º lugar e disputar a repescagem contra a fraca Jordânia: após vencer por 5 a 0 em Amã, “tirou o pé” em Montevidéu e ficou no 0 a 0. Uma campanha medíocre dessas é sinal de que a Celeste fará figuração na Copa, certo?
Porém, nas eliminatórias para 2010 o Uruguai também não foi lá muito bem (com direito a levar 4 a 0 do Brasil em pleno Estádio Centenário). Ninguém esperava muito, e acabou chegando à semifinal.
E além disso, há o “fantasma” de 1950, que automaticamente transforma a Celeste em candidata ao título. Mesmo que a lógica aponte outras seleções como favoritas (casos de Brasil, Argentina, Alemanha, Espanha, Itália etc.), a mística tem sua força. De modo que, enquanto o Uruguai estiver na disputa, a possibilidade da taça retornar a Montevidéu não pode ser descartada, de forma alguma.
Por conta disso, a Puma (fornecedora de material esportivo da Celeste) produziu esta genial peça publicitária, em homenagem à classificação uruguaia. A Copa é no Brasil e a final é no Maracanã… Portanto, um fantasma assombra o Mundial: el Fantasma del 50.