Começou a criminalização

É simplesmente inacreditável o que disse o delegado Gilberto Almeida Montenegro, da Divisão de Crimes de Trânsito de Porto Alegre, sobre a Massa Crítica, vítima de uma tentativa de assassinato na sexta-feira. Bom, na verdade não: é apenas mais um reflexo da carrocracia que impera na cidade.

O primeiro erro crucial foi esse evento ciclístico. Esse grupo cometeu um erro grave, qualquer evento desse porte se avisa a Brigada Militar (BM), a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), a Secretaria de Segurança, para se formar um aparato para evitar situações desse tipo.

Então quer dizer que para se locomover é preciso avisar a Brigada e a EPTC? Pois a Massa Crítica nada mais é do que ciclistas pedalando juntos, se deslocando pela cidade (embora isso tenha sim um sentido de manifestação – mas para lembrar que ciclistas também são trânsito). Por essa lógica, é preciso avisar a BM e a EPTC para formarem um aparato em todos os finais de tarde, visto que os motoristas adquiriram o interessante hábito de protestar nesses horários, levando o caos à maior parte da cidade.

Aqui não é a Líbia. Aqui tem toda a liberdade para fazer manifestação, desde que avisem as autoridades. Faz a tua manifestação, mas não impede o fluxo de automóveis. Se tu impedes, dá confusão, dá baderna, dá acidente. Fica o alerta.

Ah, é? “Aqui não é a Líbia”, mas se desagradar ao Gaddafi, digo, ao fluxo de automóveis… Pelo jeito é legítimo que um bandido dirigindo um carro passe por cima de ciclistas.

Não pode impedir o fluxo de carros (que na maioria esmagadora das vezes é impedido por eles mesmos), mas de pedestres e ciclistas pode, né? Pois o tempo que aquele assassino poderia ter esperado para que a Massa Crítica passasse, é o mesmo que muitas vezes eu espero para atravessar uma rua (isso quando não preciso esperar mais).

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A velha história da “indústria da multa”

Paulo Sant’Ana se superou em sua coluna de hoje na Zero Hora. O texto, com o título “A multa espúria”, defende abertamente a impunidade no trânsito (embora não use tal palavra). Afinal, o colunista reclama da instalação de novos “pardais” em Porto Alegre, e pior ainda, de que motoristas teriam sido multados por fazerem conversões sem sinalizarem antes.

Ora, se realmente a EPTC multou os que não deram o “pisca-pisca” antes de fazerem conversões, isso deve ser comemorado, e não criticado. Pois quem anda a pé sabe o suplício que é atravessar a rua em esquinas, sem saber se aquele carro que se aproxima sem sinalizar irá ou não dobrar.

Sant’Ana diz que o motorista pode “esquecer de sinalizar”. Sim, realmente ele pode esquecer. Mas depois de ser multado por isso, certamente irá lembrar sempre do “pisca-pisca”… A lei é clara: antes de converter, é obrigatório sinalizar, para alertar tanto os pedestres como os outros motoristas.

E quanto aos “pardais”, para não ser multado por eles nem é preciso “memória”: basta prestar atenção nas placas que indicam o limite de velocidade da via, e se o camarada “esquece” delas (distraído no volante, perigo constante!) ou não as enxerga porque são “pequenas demais” (se for teu caso, procura um oculista com urgência), há aquela bem grandinha que diz FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA, sempre com a indicação da velocidade máxima permitida. Como pela lei é obrigatória a instalação das placas indicativas dos “pardais”, podemos dizer que ela é benéfica aos maus motoristas, e mesmo com isso alguns “gênios” conseguem a façanha de serem multados.

Mas, é claro, ainda assim os “cidadãos de bem” reclamam. É aquela velha história da “indústria da multa” (detonada aqui, e também pelo Vinicius Duarte), o absurdo que obriga o cidadão habilitado a dirigir carros a fazê-lo de forma correta, respeitando as leis de trânsito, sem pôr em risco a integridade física de pedestres e outros motoristas, além da dele mesmo.

E a “grande mídia” obviamente os defende (afinal, eles são seus consumidores). O que também agrada às montadoras de automóveis que anunciam em tais veículos midiáticos: quanto mais vantagens para os carros, melhor para elas. E o pedestre, claro, que se exploda.

De quem é a responsabilidade

Começou um jogo de empurra entre as autoridades no caso do jovem Valtair de Oliveira, morto por um choque elétrico em parada de ônibus na Avenida João Pessoa. A EPTC empurra a “batata quente” para a CEEE, que por sua vez diz que a parada é responsabilidade municipal – o que é a mais pura verdade.

A estrutura da parada é da EPTC, já o poste de iluminação pública que seria a origem do problema é da Divisão de Iluminação Pública da SMOV. Ou seja, a competência é toda do Município. O máximo que se poderia exigir da CEEE seria cortar a energia do local.

E mesmo que a EPTC tenha contatado a CEEE três vezes antes da tragédia – o que é negado pela segunda – a responsabilidade continua a ser municipal. Pois por que raio de motivos aquela parada não foi interditada até que o problema fosse resolvido? E por favor, fita de isolamento não é interdição: era preciso que os ônibus fossem desviados para fora do corredor naquele ponto, sendo aguardados pelos passageiros na calçada em frente à Faculdade de Direito da UFRGS.

Ia “congestionar o trânsito”? PQP, o fluxo de carros é mais importante que a vida das pessoas?

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E o pior é que o trágico episódio nem é fato isolado. Há relatos de choques elétricos em outras paradas de ônibus. É mais uma mostra do descaso com que as autoridades vêm tratando a cidade nos últimos anos.

Já tivemos ônibus infestado de baratas e também perdendo as rodas, a limpeza de ruas e parques têm deixado a desejar, a saúde pública está ruim (mas não para outros interesses)… E outro problema que, embora não seja novo, parece ter piorado muito, é a conservação das calçadas (quem fiscaliza isso?). Foi graças a um passeio mal-conservado que minha avó, de 88 anos de idade, caiu um tombo no início de fevereiro e precisou passar mais de um mês com o braço direito engessado.

Era só o que faltava

Impossível ler uma notícia assim e não pensar: “poderia ter sido comigo ou com qualquer amigo ou conhecido que ande de ônibus”. Um jovem, que retornaria da escola para casa, morreu eletrocutado após encostar em uma grade da parada de ônibus na Avenida João Pessoa, em frente ao Campus Central da UFRGS.

E o pior de tudo é que o problema já era conhecido: moradores da região dizem que a parada está energizada há cerca de um mês, e um segurança da UFRGS diz que alertou a EPTC após uma menina levar um choque no dia 28 de março. E o local sequer foi interditado – diz o prefeito José Fortunati que uma equipe verificou a estação e “não encontrou problemas”.

E José Fogaça, prefeito até o último dia 30, quer ser governador do Rio Grande do Sul. Que beleza.