Imoral é existir bilionários

Há mais de dez anos tenho por hábito não liberar comentários estúpidos no blog. Penso que gente de pensamento tosco tem todo o direito de se manifestar, mas no seu espaço, não no meu.

Mas tem alguns que, mesmo não sendo publicados (pois o autor quer, antes de tudo, aparecer), merecem uma reflexão. Como um que chegou semanas atrás, sobre um texto de 2009:

Nao sabia que eu era classe merdia e fiquei muito feliz. Entendi que a classe media sao os comunistas que odeiam os bilhonarios.

Sim, é um pensamento muito tosco. Mas não por dizer que “comunistas odeiam bilionários” (corrigindo o português do cara que, definitivamente, é “mérdio”), mas sim pois há uma imensa possibilidade de que o autor do comentário acima seja um trabalhador (igual a mim e à maioria de quem lê estas linhas) que não vê nada de errado na existência de bilionários.

Não vou me estender muito falando sobre a brutal (e agora novamente crescente) desigualdade social em nosso país. Existem inúmeras reportagens falando sobre isso. Sei que não é a minha especialidade (como dizem, “sou de humanas”), mas vou falar de Matemática: não são cálculos complexos, apesar de envolverem números enormes. (E não precisam confiar em mim: usarei calculadora e copiarei o resultado aqui, vocês encontrarão exatamente os mesmos números se fizerem as mesmas contas.)

bilionários

Tradução: “Se você trabalhasse todos os dias, ganhando 5 mil por dia, desde a época a qual Colombo chegou à América, até o momento o qual você está lendo esse tuíte, você ainda não seria um bilionário, e você ainda ganharia menos dinheiro que o Jeff Bezos ganha em uma semana. Ninguém trabalha por um bilhão de dólares.”

Cristóvão Colombo chegou à América em 12 de outubro de 1492, ou seja, há exatos 527 anos. Poderíamos calcular quantos dias se passaram desde então, mas é uma conta complexa e então vamos para uma mais simples: ganhando 5 mil por dia, quanto tempo seria necessário para chegar a um bilhão?

Um ano tem 365 dias, mais seis horas que a cada quadriênio completam um dia (o 29 de fevereiro que aparece nos anos bissextos como será 2020), ou seja, podemos dizer que são 365,25 dias. E assim calculamos a renda média de quem ganha 5 mil por dia:

5.000 x 365,25 = 1.826.250

Nada mal, né? Afinal, a maioria das pessoas trabalhará a vida inteira e não ganhará nem perto de um milhão (de dólares ou reais).

Só que estamos falando de algo maior: um bilhão. Mil vezes um milhão: só isso já basta para ver que é uma quantia absurda. Ganhando 5 mil por dia, não se fica bilionário rapidamente. Vamos, então, ao cálculo de quantos anos seriam necessários, dividindo o bilhão pela renda média anual do bem remunerado trabalhador:

1.000.000.000 ÷ 1.826.250 = 547,570157...

Isso mesmo: mais de 547 anos. O que quer dizer que este trabalhador contratado em 12 de outubro de 1492 por 5 mil (dólares ou reais) diários só alcançaria um bilhão em ganhos em meados de 2040.

“Ah, mas não faltaria muito”, dirá o leitor de direita que acredita na “meritocracia” (que até seria um sistema justo se fossem dadas a todos condições equânimes, algo que é uma ficção em nossa sociedade). Afinal, o que são mais 20 anos e meio para quem já trabalhou 527? Só tem um pequeno problema: o recorde de longevidade comprovado com documentos (e ainda assim há controvérsias) pertence à francesa Jeanne Calment (1875-1997). Se não há provas de que alguém viveu mais do que ela (122 anos e 164 dias), o que dizer de 547 anos e meio?


Agora, já pensou se ganhássemos um dólar ou real a cada segundo? Seria mais rápido para chegar ao tão desejado bilhão, né?

Realmente seria. Inclusive, algo alcançável dentro de nossa expectativa de vida. Mas, ainda assim, não seria tão rápido como esperamos.

Um minuto tem 60 segundos. Uma hora tem 60 minutos, logo:

60 x 60 = 3.600

Uma hora tem 3.600 segundos e um dia tem 24 horas, portanto:

3600 x 24 = 86.400

Um dia tem 86.400 segundos e um ano tem, em média, 365,25 dias, ou seja:

86.400 x 365,25 = 31.557.600

Sabendo quantos segundos tem um ano, calculamos quanto tempo seria preciso para chegar a um bilhão:

1.000.000.000 ÷ 31.557.600 = 31,68808...

Sim, mais de 31 anos. Se começássemos a juntar essa grana hoje no ritmo de um dólar ou real por segundo, só chegaríamos a um bilhão em meados de 2051.


Mesmo depois dos dois exemplos citados acima, o leitor de direita obviamente começaria a citar casos de bilionários que “trabalharam duro” e “construíram” suas fortunas, o que provaria que “basta se esforçar para chegar lá”. O grande problema é que, primeiramente, qualquer bilionário que tenha “começado lá de baixo” (será que foi assim mesmo ou tinha algum amigo importante que “abriu portas”?) é uma exceção e tanto (que, como diz o ditado, serve para confirmar a regra). E, principalmente, que mesmo aqueles que começaram “de baixo” não chegaram ao primeiro bilhão como resultado de seu trabalho: a partir de um determinado momento eles passaram a extrair mais-valia do trabalho alheio, assim como também ganharam dinheiro no mercado financeiro (o que, vamos combinar, não pode ser chamado de “trabalho”).

Mas, mesmo que algum deles realmente só tivesse acumulado seu(s) bilhões única e exclusivamente por seu trabalho, seguiria válido o questionamento: alguém precisa ter tanto dinheiro para viver? Me parece um tanto óbvio que não. E, ao mesmo tempo, uma imensa quantidade de seres humanos ao redor do planeta (que não, não é plano!) não tem sequer o suficiente para se alimentar direito…

Neste ponto é capaz do leitor de direita até dizer que os bilionários (que, aliás, não são muitos) poderiam ajudar a reduzir a desigualdade, doando dinheiro aos mais pobres. Mas a verdade é que, para haver justiça social, não deveriam existir bilionários. Em tempos nos quais tanta gente prega “moral de cuecas” por aí, é preciso apontar o dedo para a verdadeira e maior imoralidade de nosso mundo.

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Meritocracia viral

REVELADO: Mãe Ganha R$16.000/Mês E Você Não Irá Acreditar Como Ela Faz Isso!
googledrive.com
Tenha Acesso ao Maior Segredo Para Ganhar Dinheiro de 2013.

No Facebook, vários contatos postam o mesmo link, com o “segredo” para ganhar “dinheiro fácil”, com o mesmo comentário. E como se não bastasse, ainda te marcam nele.

Desculpem a sinceridade, mas… Quem clica num link desses acreditando que encontrará a solução da sua vida, merece pegar o vírus que faz essa porcaria se replicar e encher o saco dos amigos marcando eles nas postagens descontroladas.

Perdendo tempo

Um dos grandes males da atualidade, dizem, é a falta de tempo (que, na visão capitalista, “é dinheiro”). Estamos sempre atrasados, correndo contra o relógio. E em meio a tal maluquice, não há pecado pior do que perder tempo.

E o que é “perder tempo”? É fazer qualquer coisa que “não seja produtiva”. Dentre elas, sentar e pensar: lembro de muitas vezes ter feito isso e ouvir a pergunta “por que está aí pensando na morte da bezerra?”, o que me irritava demais, pois pensava em coisas muito mais importantes do que na bezerra falecida.

Será que ninguém nunca pensou no quanto a humanidade já perdeu por conta da “falta de tempo” ou por se achar que era “perda de tempo”? Quantas ideias geniais deixaram de ser postas em prática? Quantos contos e poemas não puderam ser escritos? Quantas músicas não foram compostas por conta disso?

Me acontece muito de ficar sem tempo para vir aqui escrever no blog. E isso é uma das coisas que me irrita, às vezes até me estressa. Pois detesto não ter tempo de fazer o que gosto.

Aliás, nem deveria ter escrito este breve texto, pois tinha mais coisas a fazer.

Um Grêmio mais caro

O Grêmio tem contratado bastante recentemente. Se será vencedor neste ano que começa, ainda acho cedo para prever: em janeiro de 2000, a torcida estava empolgada com os nomes que chegavam ao Olímpico (Paulo Nunes, Zinho, Astrada etc.), mas ao final daquele ano nenhuma taça entrou na sala de troféus do estádio. Obviamente minha torcida é para que em 2012 não se repita nem 2000, nem os últimos 10 anos.

De qualquer jeito, já senti diretamente no meu bolso um impacto das contratações: o aumento da mensalidade. Como pago tanto a minha como a da minha mãe (nada mais justo, já que comecei a ser sócio há mais de 10 anos porque ela pagava), hoje se foram 172 reais de minha conta bancária: 86 para cada boleto. Em 2011, a mensalidade era de 69 reais.

Não estranho: o dinheiro para pagar os salários do clube sai de algum lugar. De investidores, patrocinadores e… Dos sócios. Normal.

Mas, depois de um aumento de quase 25% na mensalidade, não peço mais ao Grêmio que ganhe títulos de verdade: passo a exigir. Quero, no mínimo, a Copa do Brasil.

Até porque será preciso taças para que esse time se pague…

Da idolatria perdida

Se o torcedor pertence ao time, por que não os jogadores? Muito raramente o torcedor aceita o novo destino de um jogador idolatrado. Mudar de time não é a mesma coisa que mudar de lugar de trabalho, embora o jogador seja, como é, um profissional que ganha a vida com suas pernas. A paixão pela camisa não tem muito a ver com o futebol moderno, mas o torcedor castiga o delito da deserção. Em 1989, quando o jogador brasileiro Bebeto trocou o Flamengo pelo Vasco da Gama, houve torcedores do Flamengo que iam às partidas do Vasco da Gama apenas para vaiar o traidor. Choveram ameaças contra ele, e o feiticeiro mais temível do Rio de Janeiro lançou sua maldição. Bebeto sofreu um rosário de lesões, não podia jogar sem se machucar e sem que a culpa lhe pesasse nas pernas, e foi de mal a pior, até que decidiu ir para a Espanha. Algum tempo antes, na Argentina, Roberto Perfumo, durante anos a grande estrela do Racing, se transferiu para o River Plate. Seus torcedores de sempre lhe dedicaram uma das mais longas e estrondosas vaias da história:

Percebi então que eles tinham gostado muito de mim – disse Perfumo.

(Eduardo Galeano. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 125-126.)

O trecho acima da crônica “Fervor da camisa” ajuda a explicar a relação de amor e ódio da torcida gremista para com Ronaldinho. Principalmente, as palavras de Perfumo sobre a sonora vaia que levou dos torcedores que antes o idolatravam.

Nossa mágoa contra Ronaldinho se deve principalmente ao fato de que nós gostávamos muito dele (fosse um perna-de-pau qualquer, já teria sido esquecido). Depois daquela decisão do Gauchão de 1999, quando ele fez o gol do título e ainda entortou Dunga, fez a torcida delirar ao dizer que jogaria até de graça pelo Grêmio e que o importante não era dinheiro, mas sim, “jogar por amor a camisa”.

Menos de dois anos depois, o dinheiro falava mais alto que o “amor à camisa”. Ele saía do Grêmio pela porta dos fundos, já sendo rejeitado por parte da torcida. No dia 25 de janeiro de 2001, jogou pela última vez no Olímpico e marcou um golaço de falta na vitória de virada (2 a 1) sobre o Figueirense, pela extinta Copa Sul-Minas. Ouviu muitas vaias, mas também aplausos – dentre estes, os meus. Eu não queria xingar um jogador que preferia idolatrar, e que ainda vestia a camisa do meu clube do coração.

Dez anos depois, esperamos que seria restabelecida a relação de amor entre Ronaldinho e torcida gremista. Não aconteceu. Novamente, o dinheiro falou mais alto do que o suposto amor. Ficamos magoados, o chamamos de mercenário, de tudo o que é adjetivo depreciativo. Perdemos aquela romântica esperança de ver alguém jogando apenas por amor à camisa.

Agora, se aproxima o momento em que Ronaldinho reencontrará a torcida que um dia o adorou e da qual ele próprio fez parte. Uma torcida que, por tanto amá-lo, sentiu-se traída quando ele a desprezou por duas vezes. Por mais que Guerreiro e Odone também tenham sua parcela de culpa, não se brinca com uma paixão dessas (aliás, pelo mesmo motivo estes dirigentes também não merecem umas vaiazinhas?).

E é exatamente por isso que iremos vaiar Ronaldinho. É a oportunidade de desabafar, mostrar que um dia nós o amamos, mesmo que isso nem signifique mais nada para ele. Talvez alguns tenham até a maluca esperança de que ele se arrependa e peça perdão de joelhos…

Mas o fundamental é que o 30 de outubro de 2011 represente exatamente isso: o fim definitivo da mágoa. Depois, é preciso virar a página. Ronaldinho não será esquecido, mas não pode continuar a ter tamanha importância para nós.

Grandes empresas privadas não precisam de incentivos fiscais

A Azaléia fechou sua unidade em Parobé, pondo “no olho da rua” 800 trabalhadores. Os motivos, são as famosas “reduções de custos”. E aí não entendem porque tanta gente quer trabalhar no serviço público… Afinal, na iniciativa privada se trabalha (bem) mais por um salário menor, e ainda com o risco de perder o emprego por “corte de gastos”.

Pior do que isso, é saber que a empresa já recebeu generosas verbas do Estado – ou seja, de todos os gaúchos. Pagamos, supostamente para “gerar empregos”, mas na verdade, apenas para que a Azaléia lucrasse mais por um tempo, e depois, alegando “perda de competitividade”, decidisse “cortar gastos”, ou seja, funcionários. Convenhamos: não é fácil demais reclamar da “interferência do Estado na economia” ao mesmo tempo em que se recebe milhões dele próprio?

Já li uma vez em algum lugar que o Brasil não vive um regime capitalista puro, pois se assim o fosse, apenas o “mercado” ditaria os rumos da economia. Num exemplo de como seria: se a tua empresa tá mal, o azar é teu, outra vai ocupar o teu espaço…

Porém, sou favorável a que o Estado dê algum incentivo às empresas que dele necessitem. Com a ressalva: que sejam pequenas, no máximo médias. Azaléias e Fords (lembram?) da vida, não precisam do nosso dinheiro, pois o que não falta a elas é grana.

Como os grandes empresários privados são geralmente os primeiros a reclamarem da “interferência do Estado na economia”, deveriam ao menos ser coerentes, né?

Reflexos do futebol-negócio

Quinta-feira, fui ao jogo do Grêmio contra o León de Huánuco, pela Libertadores. Vitória de 2 a 0, sem jogar bem.

Mas não é sobre o desempenho do Grêmio que quero falar. O que chamou muito a atenção (como já ocorrera em jogos anteriores) foram alguns guris assistindo à partida na Social. Eram jogadores das categorias de base.

Eles enquadravam-se naquele estereótipo de jogador de futebol, que quando começa a ganhar algum dinheiro, corre para se “emperiquitar” com correntinhas e tênis de marca. Tudo bem, é direito deles (e quem sou eu para condená-los?). O que incomoda, é a maneira com que eles assistem ao jogo: de fato, apenas “assistem”, não torcem, não vibram nos gols, nem mesmo veem o jogo vestindo a camisa do Grêmio!

É isso mesmo: o Grêmio está formando jogadores que não são gremistas…

Antigamente, os jogadores formados em um clube costumavam também torcer por ele, a ponto de ficarem identificados com sua origem, mesmo quando jogavam por outros times. Claro que também havia exceções: às vezes o guri não dava certo na base do time do coração, mas sonhava em ser jogador profissional, e procurava outro clube onde tivesse mais chance (até para, no futuro, poder jogar onde o coração mandava).

Hoje, a maior parte da gurizada está jogando só por dinheiro, “sucesso”, fama etc. Muitas vezes não têm idade nem para votar, e já têm um “procurador” para negociar – e aí vão para onde pagarem melhor. E então eu percebo que fico surpreso quando um Ronaldinho vai embora do Grêmio quase de graça, depois de enganar a torcida com inúmeras juras de amor.

É hora da direção gremista tomar alguma atitude para “doutrinar” (por favor, patrulheiros direitosos de plantão, isso é só futebol!) essa gurizada. Se não for para transformá-los em gremistas fanáticos, que ao menos faça eles entenderem que estão num clube de muita história, e que valoriza os jogadores que “dão o sangue” pelo time. Já “mascarados” como Ronaldinho, todos sabem qual o lugar dele nos mais de cem anos de história do Grêmio…

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Outro reflexo do “futebol-negócio” é o que está acontecendo com as obras da Arena do Grêmio. Apesar de nem ser culpa do clube (eles são contratados da OAS, que gerenciará o estádio por 20 anos), me envergonha ver o nome do meu time associado a coisas assim.

O melancólico fim de carreira de Ronaldo

Hoje, ouvi no rádio a notícia de que a eliminação do Corinthians na pré-Libertadores poderá antecipar a aposentadoria de Ronaldo. Dizem que a única motivação do atacante em seguir jogando seria a de poder conquistar uma Libertadores, título que, assim como o Campeonato Brasileiro, ele não tem.

É um melancólico final para a carreira de um dos maiores jogadores que já vi. Hoje, Ronaldo não é nem sombra do craque que foi em seus bons tempos. Aos 34 anos, é praticamente um ex-atleta que insiste em se manter em atividade.

Ronaldo ainda não se aposentou por motivos meramente comerciais. O Corinthians apostou alto em sua contratação, no final de 2008, conseguindo muitos patrocinadores – que desejavam investir na “imagem” do “Fenômeno”, mas também eram fundamentais para o clube conseguir pagar os salários dele. Assim, ele ainda entra em campo, mesmo não jogando mais nada, apenas para exibir logomarcas associadas à sua “imagem”. (Aliás, é algo que poderia acontecer no Grêmio, se Ronaldinho tivesse sido contratado.)

Ou seja, o jogador que mais gols marcou em Copas do Mundo, foi três vezes eleito o melhor do mundo (1996, 1997 e 2002) e fundamental para a Seleção Brasileira ganhar a Copa de 2002 (assim como Rivaldo, que aos 38 anos estreou ontem pelo São Paulo, com direito a um golaço), virou apenas um outdoor.

Senhora hipocrisia

Nós, gremistas, estamos frustrados, até um pouco revoltados. Por quase um mês, acreditamos na possibilidade do retorno de Ronaldinho ao Grêmio. Mesmo os que mais o xingaram em 2001 estavam dispostos a dar uma segunda chance ao craque, para que ele se redimisse pelo erro de dez anos atrás.

No fim, ele não veio. Os motivos, foram os mesmos de 2001: dinheiro. Dez anos atrás, Ronaldinho foi embora praticamente de graça, depois de várias juras de amor ao Grêmio. Agora, dizia-se que a preferência dele era o Tricolor, mas o dinheiro falou mais alto, e só um cataclisma o impedirá de jogar pelo Flamengo.

Consumada a desistência do Grêmio, obviamente se multiplicaram as manifestações de repúdio ao jogador – sendo que “mercenário” é a palavra mais “carinhosa”. Justíssima crítica, pena que boa parte dos que a fazem não tenha moral alguma para chamarem alguém de “mercenário”.

Isso mesmo. Pois muitos destes “indignados de ocasião”, são daqueles que têm por objetivo de vida o mero “acumular e ostentar bens” (e para isso, é preciso dinheiro!). Ou seja, são aqueles indivíduos extremamente consumistas. A única diferença destes para Ronaldinho, talvez sejam as cifras.

Ou seja, vamos deixar de hipocrisia: se médio-classistas podem ostentar, por que um milionário como Ronaldinho não pode? Aceitemos isso, ou repensemos bem o que andamos fazendo e dizendo por aí – o que, aliás, acho melhor.

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Pelo que percebo, há uma tendência, igual a 2001, de vilanizar apenas Ronaldinho e seu empresário-irmão Assis. Tanto dez anos atrás como agora eles têm sua parcela de culpa, mas não podemos isentar a direção do Grêmio.

Em 2001 Ronaldinho “saiu de graça” porque o então presidente José Alberto Guerreiro recusou propostas “irrecusáveis” pelo craque – além, é claro, de desvalorizá-lo enquanto principal jogador do time, pagando salários astronômicos (mais que o dobro de Ronaldinho) a “reservas de luxo” como Amato, Astrada e Paulo Nunes. Agora, o próprio presidente Paulo Odone confessou que em nenhum momento conversou com o Milan – ou seja, com o clube que detinha os direitos sobre Ronaldinho! Diz Odone que teria sido orientação de Assis, mas será que o passado já não servira de lição?

E vamos combinar que, para vítima, Odone não serve. Não acredito que ele não soubesse das tais caixas de som no gramado do Olímpico, sexta-feira, a ponto de falar em “demitir o responsável”. Sinceramente, me parece que Odone fez de tudo para “sair bem na foto” – e conseguiu: se Ronaldinho viesse, o presidente seria glorificado por trazer o craque de volta; como ele não veio, Odone detonou Assis, e virou “defensor da dignidade do Grêmio”.

Vítima nisso tudo fomos nós, gremistas, iludidos por todo esse tempo.

O que está acontecendo com parte da juventude?

Não acho a juventude dos dias de hoje “sem noção”, mesmo com a onda de preconceito no Twitter após a eleição (eram jovens destilando ódio). Afinal, generalizar a partir do que alguns racistas disseram, é também ser preconceituoso, é ignorar que há sim muitos jovens que não aceitam a estupidez reinante.

Mas, não podemos negar que há uma tendência ao crescimento do percentual de jovens de classe média (que está em expansão) que não são simplesmente conservadores, mas sim reacionários, raivosos. Que não têm vergonha de expressarem opiniões totalmente preconceituosas (e que eles não acham ser isso, mas sim “a verdade”). Não fazem uma reflexão crítica sobre o que ouvem, o que lêem.

Engana-se quem pensa que eles não são rebeldes, “coisa típica da juventude”. O problema, é que hoje em dia até a rebeldia foi “enquadrada”, virou “produto”, “moda”, como prova uma loja em um centro comercial de Porto Alegre especializada em “rock e cultura alternativa”. Agora é assim: quer ser “alternativo”, vá ao shopping… E, por favor, isso não é culpa dos jovens. Eles não se tornam consumistas “ao natural”, e sim, porque são compelidos a isso. Afinal, praticamente vivem dentro do shopping, ouvem o tempo todo que “a rua é muito perigosa”. É muito difícil resistir a este verdadeiro terrorismo que é praticado pela “grande mídia”.

Além disso, eles refletem um problema sério de nossa época, que é a aparente falta de uma utopia, de um ideal pelo qual lutar, como lembra muito bem o excelente documentário Utopia e Barbárie, de Sílvio Tendler. Tanto que, a quem acha que a vida dos jovens de hoje é melhor por não estarmos mais sob uma ditadura, o meu amigo Diego Rodrigues lembra em um ótimo texto escrito em seu antigo blog Pensamentos do Mal (clique aqui para ler na íntegra):

Os que dizem que a vida dos jovens hoje é mais fácil não têm idéia do que é viver sem causa, numa época que não pensa, que não reflete. Faço parte da juventude mais revolucionária de todos os tempos, mas que não tem inimigo. Não sabemos contra o que lutar. Vivemos na era da descrença: as religiões são uma farsa; a política, uma hipocrisia; e os sonhos, ilusões. Isso é que a juventude pensa, e de forma cada vez mais individualista.

Assim, quais são os principais sonhos de boa parte dos jovens? Ganhar dinheiro, “subir na vida”… Uma luta extremamente solitária, o que fortalece o individualismo e faz com que eles não descubram o quão podem ser revolucionários. Enquanto quem luta por algum ideal se insere num grupo de pessoas com objetivos semelhantes, laços que reforçam a solidariedade e a motivação para seguir sonhando.