A Copa do alívio

Foi o maior intervalo entre duas Copas do Mundo desde os 12 anos que separaram os torneios de 1938 na França do de 1950 no Brasil. Mas naquela ocasião houve uma tal de Segunda Guerra Mundial no meio do caminho. Agora foi apenas o resultado de uma escolha bizarra que levou a Copa para um país no qual faz 50 graus à sombra em junho e julho.

Desta vez foi até um pouquinho (mas BEM pouquinho mesmo) menor do que se previa: era para a Copa do Mundo de 2022 começar amanhã, dia 21, mas por uma bizarrice na tabela a cerimônia de abertura ocorreria após duas partidas já terem sido jogadas — visto que a “inauguração oficial” teria de ser logo antes da estreia do anfitrião Catar — e houve assim a alteração na ordem dos jogos.

Um dia a menos de espera para um dos Mundiais mais aguardados, pelo menos por mim. Não pelos 1589 dias que separam 15 de julho de 2018 deste domingo, 20 de novembro (o intervalo anterior tinha sido de 1432 dias entre 13 de julho de 2014 e 14 de junho de 2018). Tampouco pelo país escolhido para sediá-la, uma monarquia absolutista em pleno Século XXI e que não tem tradição alguma no futebol: o Catar é o primeiro anfitrião que sedia uma Copa sem jamais ter jogado uma anterior desde a Itália em 1934 (que não quis viajar ao Uruguai para a edição inaugural quatro anos antes), e hoje se tornou o primeiro a ser derrotado na estreia — para efeito de comparação, a África do Sul (que provavelmente perderá o posto de único país-sede eliminado na primeira fase) empatou com o México na abertura da Copa de 2010, e só não foi às oitavas-de-final por ter saldo de gols pior que os mexicanos.

Esta é para mim a Copa do Mundo do alívio.

Afinal de contas, temos Copa, e estou vivo para assisti-la. Dois anos e meio atrás, eu tinha minhas sinceras dúvidas.

Logo no início das quarentenas impostas pela pandemia da covid-19, a FIFA liberou em seu canal no YouTube o seu documentário oficial da Copa do Mundo de 2018. Fazia menos de dois anos que tinha soado o apito final da decisão entre França e Croácia em Moscou, faltava muito tempo para a bola rolar no Catar, mas a sucessão de eventos esportivos sendo adiados ou mesmo cancelados me fazia não ter certeza de que poderia curtir uma Copa em 2022. Assisti ao documentário pensando em quanto tempo eu precisaria suportar só relembrando jogos do passado; mais adiante, quando o futebol voltou sem público, os estádios vazios nos quais dava para se ouvir (pela televisão) tudo o que se gritava dentro de campo só faziam aumentar a saudade não só de estar na Arena do Grêmio, como também de abraçar pessoas e confraternizar.

Fora, é óbvio, o medo de contrair a doença e não sobreviver. (Felizmente só fui pegar em fevereiro de 2022, já tendo tomado três doses de vacina que transformaram a covid-19, no meu corpo, em algo mais suave que qualquer resfriado que já tive.)

A Copa do Mundo, finalmente, começou. Ainda sob pandemia, mas numa situação bem melhor que a de dois anos e meio atrás: hoje temos vacinas e sabemos bem mais sobre o vírus que paralisou o mundo em 2020. Podemos não só ver jogos com público nos estádios como também é possível confraternizar com amigos. Nada parecido com os dias horríveis que vivemos na maior parte de 2020 e 2021.

E, se por um lado a escolha do Catar como sede foi bizarra, por outro lado nos proporcionou essa Copa no final do ano: ela termina dia 18 de dezembro e pouco depois, acabam também 2022 e o mandato do pior presidente que o Brasil já teve.

Que alívio!

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Tempos de hipocrisia

A Rússia está sendo isolada internacionalmente por sua absurda agressão à Ucrânia. Não é injusto, pois guerras nunca têm motivos justos – e esta em curso foi iniciada por decisão do presidente russo, Vladimir Putin.

Já não teríamos a participação da Rússia como tal na Copa do Mundo de 2022 – assim como aconteceu nas últimas Olimpíadas (de Verão e de Inverno), os russos não poderiam usar seus símbolos nacionais e seriam chamados pelos nomes de suas federações esportivas. Agora nem assim sua seleção irá ao Mundial.

É justo que se puna a Rússia, inclusive excluindo-a de competições esportivas tal qual aconteceu com a Iugoslávia (aliás, uma das histórias mais interessantes da história do futebol se deu por conta disso: a Dinamarca havia perdido a vaga na Eurocopa de 1992 para os iugoslavos, e por conta da punição foi chamada em cima da hora e acabou campeã). Mas é preciso apontar a hipocrisia: está muito fácil só bater na Rússia.

Nem vou falar do passado recente (o qual seria motivo para excluir os Estados Unidos até de jogos de videogame em qualquer esporte, assim como Israel). Fico no presente mesmo. Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão intervindo, com bombardeios e tudo, na guerra civil travada no Iêmen (país mais pobre da Península Arábica), e não vejo qualquer sinal de punição a qualquer um dos dois países que fazem a mesma coisa que a Rússia. Aliás, faz pouco mais de três semanas que a FIFA realizou um Mundial de Clubes justamente nos Emirados Árabes.

A próxima Copa do Mundo, da qual a Rússia está excluída, acontecerá no Catar, país onde mulheres vítimas de estupro podem acabar passando à condição de acusadas.

Aliás, a última Copa foi realizada justamente na Rússia, que em 2018 já intervinha em partes da Ucrânia onde a maioria da população é de origem russa. Quando envolvia seus lucros, a FIFA foi bem amiguinha de Putin… Agora, repito, é fácil bater nele.

2021, o ano suficiente

Em 31 de dezembro de 2020, quando escrevi meu tradicional texto de “balanço” do ano que acabava, ele teve o seguinte parágrafo:

Não nutro lá muitas esperanças de que o próximo ano será bom. Ainda que haja vacina, muitos milhões de pessoas empobrecerão bastante por conta do estrago na economia causado pela pandemia. Mas, se 2021 for péssimo, já será melhor que 2020 sem sombra de dúvidas.

O final muito melhor que o começo dá a impressão de que nem foi lá um ano tão ruim, mas a verdade é que ele foi bem complicado. Pesado.

Começou com uma tentativa de golpe no país que tantas outras patrocinou ao redor do mundo. A CPI da Pandemia no Senado mostrou que quem nos “governa” é imensamente mais cruel do que parecia ser. E por incrível que pareça, essa gente má ainda tem bastante apoio (como demonstrou o dia 7 de setembro), mesmo que seja (agora) minoritária.

Também tivemos o TSUNAMI de casos de covid-19 de fevereiro a abril, época na qual as redes sociais viraram obituários. Culpa da falta de noção e da irresponsabilidade patrocinada pelo genocida de Brasília. Não à toa, na enquete que faço no Instagram sobre qual foi o pior ano entre 2020 e 2021, a parcial no momento em que escrevo é um empate.

2021 foi o ano do retorno da torcida aos estádios, mas ainda não me encorajei – menos pela arquibancada em si, ao ar livre, e sim pelas aglomerações no transporte público. Não perdi nada: o Grêmio fez o Campeonato Brasileiro mais ridículo em 118 anos de História, conseguindo a façanha de ser rebaixado com as contas em dia. Meu último jogo na Arena foi o Gre-Nal da Libertadores de 2020, e o retorno por uma competição que não seja o Gauchão será na Série B, algo que jamais imaginei.

2021 também foi um ano complicado em matéria de saúde para a minha mãe, mas felizmente terminou tudo bem. Foram três cirurgias, com duas internações: a primeira em fevereiro, pouco antes do pior momento da pandemia; a segunda em novembro, quando ela felizmente já tinha tomado a terceira dose da vacina. Por conta disso, decidi abrir mão de morar sozinho (algo que por tanto tempo desejei), para poder estar mais próximo dela após tantos problemas; meu projeto para o futuro (e muito improvável que se concretize em 2022) é financiar um apartamento próprio aqui por perto, para não ficar mais à mercê dos reajustes de aluguel. (Aliás, no tocante à residência, em 2021 me convenci em definitivo que acertei ao retornar a Porto Alegre em 2016.)

Ainda assim, 2021 não foi um ano que considero perdido como 2020. O principal motivo para tal se chama VACINA. Minha mãe e meu pai tomaram três doses, meu irmão e eu recebemos duas – e agora em janeiro teremos a terceira. Enquanto as PRAGAS ANTIVACINA falam que a vacinação obrigatória é um “atentado à liberdade”, a vacina significa justamente o contrário: graças à imunização, voltei a sentar em uma mesa de bar após 630 dias, pude sair com menos medo (ainda tomando cuidados pois a pandemia está longe de acabar), foi possível voltar a encontrar e, principalmente, ABRAÇAR PESSOAS após tantos meses. Não ter vacinas (como o genocida queria que fosse) é que tirava a nossa liberdade.

2021 foi também o ano no qual entrei nos “enta”. Infelizmente não tive como reunir amigos em um bar para celebrar pois nem todos estavam completamente vacinados. Ficou para 2022, quando o 15 de outubro cairá num sábado.


Faz um bom tempo que decidi fazer igual ao Luís Fernando Veríssimo: não mais fazer resoluções de ano novo. Não será agora que mudarei de ideia – ainda mais considerando o que foram 2020 e 2021.

Tenho dois alentos para 2022. O primeiro é que tem boas chances de ser o último ano em que o Brasil sofre com seu pior presidente em 133 anos de República. Não me iludo com as pesquisas que apontam vitória fácil do Lula: a eleição será dificílima, com as criaturas saídas do bueiro jogando ainda mais sujo do que em 2018.

O segundo é que 2022 é ano de Copa do Mundo. Que será um tanto diferente: no final do ano, para escapar do calor absurdo que faz no absurdo país-sede do Mundial, o Catar (primeiro anfitrião estreante desde a Itália em 1934). A perspectiva da bola rolar no maior de todos os torneios de futebol sempre dá um ânimo. Recordo 1998, que comecei “na fossa” por um “coração partido”: lembrar que cinco meses depois começaria a Copa da França me ajudou MUITO a levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. (E no final das contas aquele foi um dos melhores anos da minha vida: fazendo uma analogia com o futebol, foi uma fantástica “vitória de virada”.)

Mas, ainda assim, prefiro desejar em especial que o novo ano SE COMPORTE. Se 2022 reservar alguma surpresa, POR FAVOR, que seja positiva. (Tipo um impeachment do genocida: acho que ainda dá tempo, apesar de que motivos para ele ocorrer em 2021 abundaram e não rolou.)