Todos somos pequenos ditadores

“Ninguém é dono da verdade”. Eis uma frase muito dita em trocas de ideias, mas que detesto. Acho-a autoritária: reparem que ela geralmente é usada por uma pessoa que discorda de nós, como que querendo dizer que nosso ponto de vista vale menos que o dela. Diante de uma opinião contrária, é mais fácil tentar desqualificá-la atacando o autor do que responder com argumentos.

“Mas então tu achas que há pessoas donas da verdade?”, alguém pode perguntar. A resposta é: sim e não. O “sim” refere-se a nós mesmos: todos temos nossas “verdades”, e quando expressamos opiniões, é porque as consideramos verdadeiras. Já o “não” é justamente porque nossas “verdades” são nossas, e não de todos.

Um exemplo bem simples: eu não gosto de baladas. Já fui várias vezes e até me diverti, mas não é exatamente “a minha praia” (aliás, nem gosto tanto assim de praia, embora ache muito melhor do que estar no Forno Alegre). Tenho como uma verdade que “baladas são chatas”. Mesmo que a maioria das pessoas discorde.

O exemplo citado refere-se a um gosto pessoal. Mas há verdades que acabam afetando mais pessoas, e neste caso é natural que haja disputas. Como no tocante à política, por exemplo. É impossível agradar a todos, então sempre deve prevalecer a vontade da maioria – mas obviamente respeitando os direitos fundamentais de todos.

Porém, o que não faltam são pessoas que desprezam os direitos fundamentais de todos. Inclusive, o de gostar (ou não) de baladas. Acreditam que seus gostos, suas preferências, são as únicas opções corretas, e que as demais devem ser condenadas e reprimidas. Legítimos ditadores em pequena escala.

Engana-se quem pensa que em uma ditadura simplesmente somos oprimidos por um tirano que toma o poder à força e depois passa a decidir sobre a vida e a morte de todos os cidadãos. Em 1944, o poeta italiano Trilussa (nome artístico de Carlos Alberto Salustri) publicou em seu Libro muto (Livro mudo) o genial poema “Números”, no qual satirizava Benito Mussolini e o fascismo:

Eu valho muito pouco, sou sincero,
Dizia o Um ao Zero,
No entanto, quanto vales tu? Na prática
És tão vazio e inconcludente
Quanto na matemática.
Ao passo que eu, se me coloco à frente
De cinco zeros bem iguais
A ti, sabes acaso quanto fico?
Cem mil, meu caro, nem um tico
A menos nem um tico a mais.
Questão de números. Aliás é aquilo
Que sucede com todo ditador
Que cresce em importância e em valor
Quanto mais são os zeros a segui-lo.

O ditador não é um monstro ou alguém dotado de poderes mágicos. Ele é alguém como nós, com no máximo algumas diferenças, do tipo ser bom em oratória, um apurado senso de oportunismo, e principalmente, um bom “palanque” para que possa ser ouvido pelo máximo possível de pessoas. Já os Zeros, são aqueles que, seduzidos pelo discurso do Um, começam a segui-lo e, consequentemente, a aumentar seu valor.

As aspas do “palanque” se devem ao fato de que não me referia ao palanque propriamente dito, ou seja, aquela estrutura montada, de madeira. Aparecer regularmente na televisão como figura de destaque, por exemplo, é um dos melhores “palanques” que alguém pode ter a seu favor. Porém, não é preciso aparecer na televisão para alguém ter a oportunidade de exercer, em certa escala, seu poder ditatorial.

As páginas de redes sociais (e o Facebook é um dos melhores exemplos) têm aspectos bastante positivos, mas o principal deles é, sem dúvida, permitir que qualquer um se expresse e tenha alguma repercussão – sem necessariamente passar pelo “filtro” da mídia tradicional. Dessa forma, informações incorretas são rapidamente corrigidas e mesmo desmentidas.

Porém, como já foi dito, a diferença entre o Um e o Zero do poema de Trilussa é muito pequena. A oratória e o oportunismo são importantes, mas o principal trunfo do ditador é o “palanque”. E o Facebook fez com que inúmeros Zeros se transformassem em Uns, mesmo que em menor escala – até porque, se não há muitos Zeros, o valor do Um não aumenta tanto. Muito embora vários Uns sejam Zeros ao mesmo tempo, por concordarem entre si e assim não se criticarem em nenhum momento.

O que aconteceu mesmo é a constatação de que todos somos pequenos ditadores, pouco importando o número de “seguidores”: quem nunca se meteu a “cagar regras” via Facebook? Seja em postagens, seja em comentários a algumas delas, todos já tivemos nossos momentos autoritários, tentativas de outorgar nossos gostos pessoais a outras pessoas. (Sim, isso também é uma autocrítica que faço.)

E voltamos a meu exemplo lá de cima: não gosto de baladas. O que faço? Simplesmente não as frequento. Mas há pessoas que, por conta disso, dizem que “baladas são coisas horríveis”, acham que “não deveriam existir”, até usam alguns argumentos que fazem muito sentido (como o da poluição sonora) e rotulam da pior maneira possível quem as aprecia. Também há o lado contrário: os que gostam e atacam quem não gosta. E ainda poderíamos citar mais vários exemplos, de coisas bem mais importantes que gostar (ou não) de baladas, que em nada nos afetam mas ainda assim despertam o pequeno ditador que temos dentro de nós: não contente em ditar normas a apenas uma pessoa, quer impô-las a todos. Contra isso, devemos lutar sempre.

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“No” e a “transição incompleta” do Chile

Assisti semana passada ao filme chileno “No”, de Pablo Larráin, que concorre ao Oscar de melhor filme de língua não-inglesa. Baseado em fatos reais, “No” relembra a campanha do “não” no plebiscito de 1988 no Chile, quando o povo rejeitou a permanência do ditador Augusto Pinochet no governo por mais oito anos. Larráin usou câmeras semelhantes às utilizadas na década de 1980, para que o filme lembrasse as transmissões da televisão chilena na época.

Em 1980, uma nova constituição para o Chile fora aprovada em um referendo marcado por denúncias de fraude. Esta previa um “período de transição” de oito anos a partir de sua entrada em vigor, em 11 de março de 1981, no qual o país seria governado por Pinochet. Ao final deste período, os militares deveriam indicar uma pessoa para ocupar a presidência pelos oito anos seguintes (ou seja, até 1997): o escolhido foi o próprio Pinochet.

Um plebiscito foi convocado para o dia 5 de outubro de 1988, em que o povo deveria apoiar ou rejeitar a permanência do ditador no poder: caso a opção “não” vencesse, Pinochet teria seu “mandato” prorrogado até 11 de março de 1990, quando entregaria o governo a um presidente eleito diretamente. Haveria 15 minutos diários de propaganda eleitoral na televisão para ambas as opções, mas não era uma situação de igualdade: enquanto a campanha do “não” se resumiria aos 15 minutos, o “sim” era favorecido pela mídia, controlada pelo governo.

A princípio, acreditava-se que o plebiscito era “jogo de cartas marcadas”. Afinal, era promovido por um regime ditatorial, que não pouparia esforços para se perpetuar. O fato de atrair as atenções do mundo, se por um lado ajudava a diminuir a desconfiança quanto à lisura do processo, por outro também despertava o temor de que, caso o “sim” vencesse, a própria oposição acabasse legitimando Pinochet, por ter ido votar. Assim, havia uma forte tendência a se boicotar o plebiscito.

Porém, a possibilidade de que Pinochet permanecesse no poder por mais oito anos era um motivador a que se fosse votar. É aqui que “entra em jogo” René Saavedra (Gael García Bernal), um talentoso publicitário: filho de um exilado político, ele é convidado a ajudar a campanha do “não”, de modo a que a oposição (agrupada na Concertación de Partidos por el No) participe do plebiscito com chances de vencê-lo. Continuar lendo

Moral e bons costumes

Semana passada, entrou em vigor a chamada “lei da moral e dos bons costumes” no Estado do Rio de Janeiro. Houve quem reagisse falando apenas da autora do projeto que virou lei, a deputada Myrian Rios (PSD): porém, se a proposta virou lei, primeiro ela teve de ser aprovada em plenário (ou seja, tem muita gente que concordou com Myrian), e depois ainda sancionada pelo governador Sérgio Cabral (o que aconteceu na quinta-feira). Ou seja, criticar apenas a deputada é, no mínimo, injusto.

Mas a questão que considero fundamental é: quem definirá o que é “moral” ou “imoral”, os costumes “bons” ou “maus”? Olha, se depender de algumas figurinhas eleitas por aí, é de dar medo.

Há quem, por exemplo, ache imoral tomar uma cervejinha ao ar livre. Foi ano passado, se não me engano, que se propôs uma lei em São Paulo que proibiria o consumo de bebidas alcoolicas na rua – ou seja, sentar numa mesa na rua para pegar um vento e tomar uma cerveja gelada, negativo!

E se alguma mulher estiver a fim de um cara e chegar nele, poderá sofrer sanções com base na nova lei? Se depender da visão de muita gente, sim: afinal, mulher que toma a iniciativa é “vadia, oferecida”, que está “pedindo para ser estuprada”; ou seja, isso é “imoral”, transgride a lei.

Vale o mesmo para usar roupas curtas. Afinal, “estar com calor” nada mais é do que “desculpa para praticar a devassidão”.

Se quisermos, podemos fazer uma enorme lista do que é “imoral”. Acordar tarde, dormir durante o dia, falar palavrão etc. O maior problema é que dificilmente todos os nossos costumes se enquadram no conceito de “moralidade” para certas pessoas; e se estas detiverem algum tipo de poder (como um mandato legislativo), haverá o risco de enfiarem goela abaixo de todos as suas noções de certo e errado, sem debate nem nada… Daí o risco que decorre de uma lei de “moral e bons costumes”.

E vamos combinar que, se não gosto de alguma coisa e ela não me afeta, não há motivos para querer que ela seja proibida. Num exemplo bem simples: eu não gosto de ir a “baladas”. O que eu faço? Simples: não vou! O fato de muita gente gostar e frequentá-las não me prejudica em absolutamente nada. Por que proibir?

A democracia não é uma tradição russa

Na sexta-feira, a justiça russa condenou as três integrantes da banda punk Pussy Riot a dois anos de prisão por “vandalismo motivado por ódio religioso”. Maria Alyokhina, Nadezhda Tolokonnikova e Yekaterina Samutsevich foram ao tribunal por terem protestado contra o então primeiro-ministro (e agora presidente) Vladimir Putin no altar da catedral Cristo Salvador, maior igreja ortodoxa de Moscou e de toda a Rússia, em fevereiro. Mais do que um protesto contra Putin, foi também contra o patriarca da igreja, que usava sua posição para pedir votos ao atual presidente na última eleição (marcada por denúncias de fraude, recorrentes nos processos eleitorais russos).

Foi um julgamento que esteve bem longe de ser justo. Enquanto todas as testemunhas de acusação foram interrogadas, o mesmo foi feito com apenas três das treze de defesa. O advogado Nicolay Polozov, que defendeu as integrantes da Pussy Riot, foi taxativo: “Mesmo nos tempos soviéticos, nos tempos de Stalin, os julgamentos eram mais honestos do que esse”. Uma das integrantes do grupo, Yekaterina Samutsevich, disse mais: “Estou considerando isso como o início de uma campanha autoritária e repressiva do governo que procura dificultar a atividade política e criar um sentimento de medo entre os ativistas políticos”.

Surpresa diante disso? Sinceramente, só é possível caso não se conheça nada da história russa. Pois trata-se de um país onde “democracia” é apenas uma palavra no dicionário. E não me refiro simplesmente à época da autocracia czarista, nem aos 74 anos de regime soviético (onde podemos destacar em matéria de crueldade a longa ditadura de Josef Stalin). Pois mesmo na era pós-soviética, que diziam ser a da “democratização” da Rússia, não faltaram lembranças da forma como sempre funcionou a política russa: baseada no autoritarismo. Inclusive foi desta forma que se implantou o neoliberalismo por lá, sob o comando do presidente Boris Yeltsin.

Após o fim da União Soviética em dezembro de 1991, o nível de vida dos russos, que já vinha despencado nos últimos anos da URSS, caiu ainda mais drasticamente, aumentando a insatisfação popular. E além disso, Yeltsin tinha no parlamento um forte adversário à consolidação de seu poder: eleito ainda sob o regime soviético e dominado pelos comunistas, o legislativo russo impedia o prosseguimento do programa de reformas neoliberais (com direito à venda das antigas estatais soviéticas “a preço de banana”). A saída de Yeltsin foi violar a Constituição vigente com a dissolução do parlamento em 21 de setembro de 1993, de modo a acabar com a oposição.

A revolta que se seguiu ao golpe produziu os piores conflitos de rua em Moscou desde a Revolução de 1917 e resultou em mais de cem mortos. O exército tomou o partido do presidente e em 4 de outubro bombardeou o prédio do parlamento, defronte ao qual o próprio Boris Yeltsin liderara a resistência ao fracassado golpe da “linha dura” comunista contra Mikhail Gorbachev em agosto de 1991.

Detalhe importante: o mesmo Ocidente que hoje em dia denuncia (embora não sem razão) o crescente autoritarismo na Rússia de Putin, não fez o mesmo em 1993. Muito antes pelo contrário: o golpe de Yeltsin foi apoiado pelos principais líderes ocidentais, que chegaram a dizer que o presidente russo agia pela democracia. Aí reparo no fato de que Yeltsin, ao contrário de Putin, era um aliado do Ocidente, e percebo não ser mera coincidência a semelhança de discursos “democratas” entre os golpistas (incluídos os apoiadores estrangeiros) de 1993 na Rússia e de 1964 no Brasil.

Sobre poder falar mal do presidente (e de outras coisas mais)

Às vezes tenho a impressão de que quanto mais correntes são detonadas, mais “novidades” surgem. A última que recebi é um texto muito tosco, defendendo a ditadura militar. Me senti na obrigação de escrever uma resposta.

Primeiro vamos ao texto da mensagem, que copiei como veio: mal-formatado e (principalmente) mal-escrito…

É MUITO BEM HUMORADO E MUITO VERDADEIRO. . .
Na época da ‘chamada’ ditadura…
Podíamos namorar dentro do carro até a meia- noite sem perigo de sermos mortos por bandidos e traficantes.
Mas, não podíamos falar mal do presidente.

Podíamos ter o INPS como único plano de saúde sem morrer a míngua nos corredores dos hospitais.
Mas não podíamos falar mal do presidente.

Podíamos comprar armas e munições à vontade, pois o governo sabia quem era cidadão de bem,quem era bandido e quem era terrorista,
Mas, não podíamos falar mal do Presidente.

Podíamos paquerar a funcionária, a menina das contas a pagar ou a recepcionista sem correr o risco de sermos processados por “assédio sexual”,
Mas, não podíamos falar mal do Presidente.

Não usávamos eufemismos hipócritas para fazer referências a raças (ei! negão!), credos (esse crente aí!) ou preferências sexuais (fala! sua bicha!) e não éramos processados por “discriminação” por isso,
Mas, não podíamos falar mal do presidente.

Podíamos tomar nossa redentora cerveja no fim do expediente do trabalho para relaxar e dirigir o carro para casa, sem o risco de sermos jogados à vala da delinqüência, sendo preso por estar “alcoolizado”,
Mas, não podíamos falar mal do Presidente.

Podíamos cortar a goiabeira do quintal, empesteada de taturanas,sem que isso constituísse crime ambiental,
Mas, não podíamos falar mal do presidente.

Podíamos ir a qualquer bar ou boate, em qualquer bairro da cidade, de carro, de ônibus, de bicicleta ou a pé, sem nenhum medo de sermos assaltados, sequestrados ou assassinados,
Mas, não podíamos falar mal do presidente.

Hoje a única coisa que podemos fazer…

…é falar mal do presidente!

que merda !

Bom, agora vem a parte mais divertida: destruir os “argumentos” de quem escreveu esse lixo e-mail. Continuar lendo

SIM à campanha eleitoral no Facebook. Viva a democracia!

Começou na última sexta-feira a campanha eleitoral de 2012. Será a primeira em que o Facebook é a rede mais utilizada pelos brasileiros: dois anos atrás, tal papel ainda pertencia ao Orkut; e o Twitter foi muito mais importante na briga por votos.

Ao mesmo tempo em que era aberta a “temporada de caça ao voto”, uma imagem começou a ser compartilhada por vários de meus contatos. Com uma mãozinha com o polegar para baixo (figura inversa à que simboliza o “curtir”), dizia “não à propaganda política no Facebook”. Não compartilhei, e uma das primeiras coisas que pensei foi em como responder àquilo.

Me pergunto: qual é o problema de alguém pedir voto pelo Facebook? “Propaganda indesejada”? Ora, até parece que ninguém nunca recebeu uma ligação de telemarketing, nem um spam via e-mail…

Aliás, reparem que o telefone não nos dá a opção de escolher quem nos liga: apesar de ser possível bloquear a chateação do telemarketing, sempre haverá o risco de alguém se enganar de número, ou mesmo de estar ocupado e ter de atender o maldito telefone porque aquela campainha já está dando nos nervos.

O e-mail, por sua vez, nos permite decidir se respondemos ou não. Mas também não escolhemos quem enviará mensagem: apesar do spam poder ser marcado como tal, sempre surgem novos – assim como os vírus.

Já o Facebook, assim como o Twitter (e mesmo o Orkut), nos dá a opção de escolher com quem iremos interagir. Adicionamos quem nos interessa, e se a pessoa é muito chata, podemos excluí-la de nossa lista para que não recebamos mais suas atualizações.

Assim, se o leitor está “de saco cheio de tanta propaganda eleitoral no Facebook”, acho melhor (e bem mais eficaz) fazer uma “faxina” em seus contatos ao invés de ficar “cagando regra”, dizendo o que os outros podem ou não postar. Essa atitude de querer mandar os outros pararem de falar sobre certo assunto é extremamente antipática, chegando mesmo a ser autoritária.

E sinceramente, o cara do qual se reclama por usar o Facebook para fazer campanha eleitoral (para si mesmo ou para um candidato no qual deseja votar), pode muito bem achar um pé no saco as mensagens religiosas ou piadas sobre futebol que muita gente compartilha. Talvez ele nunca tenha se metido a querer determinar o que os outros irão ou não postar, mas se o fizer, é recomendável que também dê uma “reciclada” na sua lista de contatos.

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Em tempo: não bloquearei quem postar a imagem da qual falei. Aliás, nunca excluí ninguém de minha lista de amigos (a única pessoa que foi “banida” sequer estava dentre meus contatos); em compensação, já fui “deletado” por pessoas que não suportaram algumas de minhas opiniões. Mas, por ser mais tolerante do que eu mesmo achava que era, muita gente acabou me surpreendendo positivamente.

Mito detonado

Tem um famoso ditado que diz o seguinte:

Quem não for de esquerda até os 30 anos não tem coração. Quem for de esquerda depois dos 30 anos não tem cérebro.

É aquele mito conservador do “amadurecimento”, que serve apenas para justificar a manutenção do status quo. Contestar o sistema é considerado “imaturidade”, a famosa “rebeldia juvenil” – vista por muitos como “sem causa”.

Ironicamente, uma grande manifestação de contestação ao status quo aconteceu justamente no dia em que completei 30 anos. Em várias partes do mundo, os indignados tomaram as ruas para exigir democracia real. Naquele dia, escrevi: “‘imaturidade’, é defender o sistema injusto que temos”. Ou seja, na visão conservadora, não “amadureci”…

Mas não é só isso: estou ainda mais “imaturo”, conforme o teste de visão política que já havia feito e postado os resultados aqui no blog em janeiro de 2009 e fevereiro de 2010.

Em janeiro de 2009, quando eu tinha 27 anos de idade, deu isto:

  • Derecha/Izquierda Economicista: -8.62
  • Anarquismo/Autoritarismo Social: -8.31

Já em fevereiro de 2010, aos 28, meu resultado foi este:

  • Derecha/Izquierda Economicista: -8.75
  • Anarquismo/Autoritarismo Social: -8.36

Posteriormente, cheguei a fazer o teste novamente mas sem postar os resultados no blog, daí a ausência de números relativos ao começo de 2011, quando eu estava com 29 anos.

Agora, vejamos como é minha visão política aos 30 anos de idade:

  • Derecha/Izquierda Economicista: -9.75
  • Anarquismo/Autoritarismo Social: -9.79

Como as escalas vão de -10 a 10 (em ambos os critérios), estou chegando aos extremos e por isso não tenho como ficar muito mais libertário e socialista. Mas é um legítimo “tapa com luva de pelicas” naqueles que, alguns anos atrás, achavam que à medida que eu ficasse mais velho eu iria “endireitar”.

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Decidi fazer um exercício de imaginação: responder o teste com base no que eu pensava 15 anos atrás, quando tinha a metade de minha idade atual. Digo que é “imaginação” pois o que penso hoje obviamente influi sobre a visão que tenho de meu próprio passado, sem contar que certas questões, como sobre “a luta contra o terrorismo”, na época (entre 1996 e 1997) não fariam tanto sentido quanto hoje.

O resultado é o seguinte:

  • Derecha/Izquierda Economicista: -5.75
  • Anarquismo/Autoritarismo Social: 2.00

Ou seja, em 1996-1997 eu seria um projeto de stalinista… Felizmente, abortado.

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Agora, como nas outras vezes, “passo a bola” aos leitores. Façam o teste (em espanhol ou em inglês) e, claro, postem seus resultados nos comentários.

Ah, se fosse na Venezuela…

Hoje pela manhã, um grupo de policiais foi ao DCE da USP para “pedir” aos alunos que deixassem o local devido a uma (suposta) reforma a ser empreendida pela reitoria (à qual os estudantes se opõem, assim como à presença da PM no campus). Um policial “achou” que um dos jovens presentes – coincidentemente, o único negro – não era aluno da USP, e “pediu” para que se identificasse. O estudante recusou-se a mostrar sua carteirinha ao PM e por isso foi agredido pelo mesmo, que ainda por cima sacou sua arma e a apontou para o jovem.

Depois, o mesmo policial tapou sua identificação no uniforme e recusou-se a dizer seu nome aos estudantes que o questionavam. Ué, mas o aluno agredido não o foi por não querer se identificar? Achei que a polícia deveria dar exemplo, e não adotar a filosofia do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” para reprimir utilizando-se do argumento “minha autoridade foi desacatada!”.

Nos comentários dos vídeos no YouTube, claro, os fascistas de sempre vomitam os mesmos bostejos. “Bando de maconheiros, tem de dar porrada mesmo!”, “vão estudar, vagabundos”, etc., etc.

Agora, imaginem se isso tivesse acontecido na Venezuela, com a polícia agredindo gratuitamente estudantes por eles protestarem contra o governo de Hugo Chávez…

O futuro dos sonhos de muita gente

No começo da tarde de ontem, assisti na televisão a “O Demolidor” (Demolition Man), produzido em 1993. Trata-se de um filme com muita ação, mas que também é uma amostra do tipo de sociedade que habita os sonhos de nossa elite “iluminada”. (Quem não viu o filme, e não quer ter a menor ideia dele antes de assisti-lo, pare de ler aqui.)

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A onda revolucionária de 2011

A historiografia costuma usar a expressão “onda revolucionária” para descrever certas épocas em que irrompem diversos movimentos contestatórios à ordem vigente, que têm mais em comum do que apenas a proximidade temporal. Temos diversos exemplos, como as revoluções liberais de 1848, as socialistas de 1917-1919 (inspiradas na Revolução de Outubro de 1917 na Rússia), os protestos de 1968 (contra a ordem tanto de direita quanto de esquerda – como prova a Primavera de Praga), os movimentos por independência em diversas épocas (no início do Século XIX na América Latina; nas décadas de 1950 a 1970 na África) e as manifestações de 1989 nos países do Leste Europeu que resultaram na queda do chamado “socialismo real”.

O ano de 2011 ainda não terminou, mas já podemos dizer sem receio que ele é marcado por mais uma onda revolucionária. Aliás, tão significativa que qualquer um que tenha o mínimo de bom senso jamais repetirá a afirmação de Francis Fukuyama de que em 1989 se havia alcançado “o fim da História” com a suposta “vitória capitalista”. Afinal, por mais que seja óbvio que enquanto houver sociedades haverá História, muita gente fingia não enxergar isso.

Todos os grandes protestos registrados neste ano têm a mesma origem: a crise econômica iniciada em 2008 e que não havia realmente acabado. Milhões de pessoas empobreceram muito, enquanto um punhado enriqueceu demais. Foi o que desencadeou a Primavera Árabe e derrubou três ditadores (Ben Ali na Tunísia, Hosni Mubarak no Egito e Muammar al-Gaddafi na Líbia), além de abalar outros regimes autoritários (como o de Bashar al-Assad na Síria e de Ali Abdullah Saleh no Iêmen). E serviu de exemplo aos europeus: na Grécia e em Portugal o povo foi às ruas, e em maio na Espanha, os cidadãos demonstraram sua insatisfação com o atual estado das coisas através do movimento dos “indignados”, que começou a ocupar praças em várias cidades e exigir democracia real, JÁ.

Agora, vemos os protestos de indignados contra a ditadura do mercado chegarem exatamente ao centro do sistema (Wall Street), e se tornarem “a coisa mais importante do mundo hoje” nas palavras de Naomi Klein. Algo impensável anos atrás. São novamente as massas, e não os “grandes homens”, fazendo a História.

E a onda revolucionária de 2011 terá mais um belo capítulo a ser escrito no próximo sábado, 15 de outubro*, quando os indignados de todo o mundo acamparão em praças para exigir uma democracia verdadeira, não esta falsificada que temos. Afinal, as principais decisões acerca de nosso futuro não são tomadas na esfera política, sobre a qual temos aparente influência. Podemos eleger o presidente do Brasil, mas, e os das multinacionais? E a eleição para presidente da FIFA, na qual não pudemos votar? Isso já fora lembrado, anos atrás, por José Saramago.

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Porém, é preciso também ficar atento em relação ao que virá pela frente, como também alerta Slavoj Zizek. Pois em comum entre as diversas ondas revolucionárias do passado, é que foram seguidas por violenta reação. Após as revoluções liberais de 1848, lideradas pela burguesia (revolucionária desde 1789), esta tornou-se conservadora, por temer o proletariado que reivindicava mais direitos – o que prejudicaria os interesses burgueses. As revoluções de 1917-1919 também: na Rússia ela foi vitoriosa, mas a tentativa de construção do socialismo acabou resultando no stalinismo e no próprio autoritarismo que caracterizou a política da União Soviética; já em outros países onde houve movimentos revolucionários de caráter socialista a repressão foi violenta – e, a soma “ameaça comunista” mais a gravíssima crise econômica de 1929 resultou em muitos regimes ditatoriais de extrema-direita.

Em 1968, quando o ímpeto contestador arrefeceu, os conservadores venceram as eleições (França e Estados Unidos), ou intensificaram a repressão na defesa da ordem (caso do Brasil) – e foi o que se viu também em países em que o status quo era “socialista” (caso da Tchecoslováquia invadida por tropas do Pacto de Varsóvia, para esmagar a Primavera de Praga e manter intacto o “socialismo real”, burocrático e autoritário). No Leste Europeu em 1989, o povo foi às ruas pedir democracia, mas confiou na condução do processo democratizante pelos mesmos burocratas que já estavam há décadas no poder e acabou por ganhar esta falsificação que hoje é questionada em todo o mundo.

Ou seja, foram revoluções incompletas, e por isso que é preciso ficar atento. Pois até já está acontecendo, como se vê no Egito: após a queda de Mubarak em fevereiro, uma junta militar assumiu o poder prometendo entregá-lo aos civis após as eleições presidenciais que eram previstas para setembro. Já estamos em outubro, e nada dela acontecer…

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* Curiosamente, em 1968 uma das palavras de ordem era “não confie em ninguém com mais de 30 anos”. E o próximo sábado é justamente o dia em que deixarei de ser “uma pessoa confiável”… Logo, virou dever cívico ir até o acampamento de Porto Alegre, que acontecerá na Praça da Matriz, demonstrar que vale mais a idade de coração do que a do cartório.