A Doutrina do Choque

O documentário “A Doutrina do Choque” é baseado no livro de mesmo título, escrito por Naomi Klein. O filme – assim como o livro, que (ainda) não li – demonstra como, a partir do medo de um suposto inimigo que foi incutido nas sociedades ocidentais, se implantou as políticas econômicas neoliberais, conforme as ideias de Milton Friedman.

Aliás, o documentário lembra como o neoliberalismo (também chamado “fundamentalismo de livre mercado”) começou não com Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos); mas sim, no Chile de Augusto Pinochet. Ou seja, detonando o mito de que liberalismo econômico significa democracia…

Primeiro, uma “palhinha” do filme:

Abaixo, o documentário completo:

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Será o fim para o mais antigo ditador da atualidade?

Charge de Carlos Latuff

Muammar al-Gaddafi governa a Líbia desde 1969, sendo assim o mais antigo ditador da atualidade.

Por muito tempo, foi um dos “maus” na ordem mundial ditada por Washington. Inclusive, o regime de Gaddafi foi acusado de promover vários atentados terroristas em países ocidentais na década de 1980, com destaque para a explosão de um avião da Pan Am em 21 de dezembro de 1988 sobre a cidade escocesa de Lockerbie, que matou 270 pessoas (onze delas em terra).

Mas nos anos 2000, Gaddafi “fez as pazes” com o Ocidente: deixou de apoiar movimentos rebeldes, abandonou a postura anti-Israel de antes (seu governo deu cobertura ao grupo Setembro Negro, que matou onze atletas israelenses durante os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972), indenizou as famílias das vítimas do atentado de Lockerbie, e procurou ter relações menos tumultuadas com os países ocidentais. A Líbia não se transformou numa democracia, é óbvio: apenas deixou de sofrer sanções econômicas, costumeiramente usadas contra regimes que não agradam aos Estados Unidos.

Agora, parece que a longa ditadura se aproxima de seu fim. Mas não sem antes promover um banho de sangue, inclusive usando aviões militares para massacrar os manifestantes: Gaddafi, que se diz socialista (assim como me considero o Papai Noel), toma uma atitude digna de Augusto Pinochet, que em 11 de setembro de 1973 chefiou o violentíssimo golpe militar contra o presidente socialista do Chile, Salvador Allende, com direito a bombardear o Palácio de la Moneda, sede do governo chileno.

11 de setembro

Hoje, os Estados Unidos lembram o nono aniversário dos atentados de 2001, que vitimaram quase 3 mil pessoas e foram a desculpa que o presidente da época, George W. Bush, precisava para fazer o que mais gosta: “brincar” de guerra. Sim, “brincar”, pois é que nem criança brincando com seus soldadinhos: independentemente do resultado do confronto, ela sequer se machuca – bem diferente dos soldados de verdade que foram enviados ao Afeganistão e ao Iraque, assim como dos que eles combatiam e também dos civis inocentes (assim como os que morreram em 11 de setembro de 2001).

Mas hoje é também dia de lembrar os 37 anos da derrubada de Salvador Allende no Chile – num 11 de setembro que, assim como em 2001, caiu numa terça-feira. A “grande mídia” prefere lembrar os atentados nos Estados Unidos sem falar muito sobre o golpe comandado pelo general Augusto Pinochet em 1973: talvez seja porque ela era predominantemente favorável às ditaduras militares.

Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Postales e da Rádio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.

Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.

Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.

Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.

Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos.

A historia os julgará.

Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.

Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.

(Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973)

Retrocesso no Chile

Sebastián Piñera, um empresário de direita, é o novo presidente do Chile. Ontem, derrotou Eduardo Frei, da coligação de centro-esquerda Concertación, no segundo turno da eleição presidencial. É a primeira vez em 52 anos que a direita chega ao governo de forma democrática no país: a última vitória direitista no país não se dera nas urnas, e sim nas armas, quando o golpe militar de 11 de setembro de 1973 derrubou o presidente socialista Salvador Allende e deu início à ditadura de Augusto Pinochet.

Foi também a primeira grande derrota da Concertación de Partidos por la Democracia, formada em 1988 como Concertación de Partidos por el No, quando da realização do plebiscito sobre a continuidade ou não de Pinochet no governo – a vitória do NÃO impediu o ditador de prosseguir no Palácio de la Moneda até 1997. Derrotado, não restou a Pinochet outro caminho que não o de convocar eleições para 1989, e deixar o governo em 11 de março de 1990, sendo substituído por Patrício Aylwin, do Partido Democrata Cristão, integrante da Concertación.

A direita chilena tem características muito singulares. Uma delas é o fato de se assumir como direita, bem diferente de seus colegas brasileiros. Outra, é não esconder sua admiração pela ditadura de Augusto Pinochet: no Brasil, só os reacionários (embora não sejam tão poucos) defendem abertamente o regime militar.

Pode causar estranheza o fato do Chile eleger um candidato opositor a um governo com 80% de aprovação. É o que faz a direita brasileira salivar: a presidente Michelle Bachelet não conseguiu transformar sua aprovação em uma avalanche de votos para Eduardo Frei. Porém, é preciso ressaltar alguns fatos.

O primeiro, é o fato de Frei já ter sido presidente, de 1994 a 2000. Se ele não fez um bom governo… Isso certamente foi muito lembrado pelo adversário e pelos que se julgaram prejudicados pelo governo Frei.

Também não se pode esquecer que a esquerda chilena, ao contrário da uruguaia, se dividiu – talvez até devido à indicação de um ex-presidente como candidato da Concertación: Marco Enríquez-Ominami apresentava-se como “esquerda”, e dizia o absurdo de que Frei e Piñera eram “iguais” (e certamente não faltará gente para dizer “Dilma e Serra são iguais” aqui no Brasil, assim como em Porto Alegre ajudaram a eleger Fogaça em 2004 ao dizerem “Pont e Fogaça são iguais”…). Enríquez-Ominami obteve 20% dos votos no primeiro turno: a maioria esmagadora de seus votos migraram para Frei no segundo, mas foram insuficientes para evitar a vitória da direita.

Vale também chamar a atenção para a apatia política da juventude no Chile. Muitos jovens sequer se inscreveram para votar, o que é uma tragédia. Literalmente, deixaram que os mais velhos decidissem seu futuro. Nem falo que os mais velhos sejam mais conservadores, já que a juventude se mostrou tremendamente acomodada – o que não deixa de ser uma forma de conservadorismo. Porém, os jovens nem sequer expressam sua opinião (mesmo que conservadora), deixando que os outros decidam.

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Tudo isso quer dizer que José Serra será o próximo presidente do Brasil? Claro que não. Mas deixa claro que, por maior que seja a popularidade de Lula, Dilma Rousseff ainda está longe de ser a ocupante do Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro de 2011.

11 de setembro de 1973

Há 36 anos, um brutal golpe militar derrubava o presidente do Chile, Salvador Allende, que dizem ter cometido suicídio. O país, que era um dos mais estáveis politicamente da América Latina, começava a viver a cruel ditadura do general Augusto Pinochet. Foi o último regime militar a cair na América do Sul: Pinochet deixou o governo (mas não o poder, já que seguiu comandando o Exército até 1998) apenas em 11 de março de 1990.

Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Postales e da Rádio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.

Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.

Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.

Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.

Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos.

A historia os julgará.

Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.

Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.

(Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973)

Ato em frente à Folha é a máxima liberdade de expressão

A indignação contra o editorial da Folha de São Paulo que chamou a ditadura militar brasileira de “ditabranda” também fez surgirem defensores do jornal, e mesmo da ditadura. Como a própria Folha.

O jornal xingou os professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides porque eles “não atacariam a ditadura cubana”. Porém, a questão em debate não é Cuba (país do qual a maior parte das pessoas fala sem conhecer muito – tanto por um lado quanto pelo outro): é o Brasil.

O mais incrível de tudo foi alguém achar que os cidadãos que estarão em frente à sede do jornal têm por objetivo “censurá-lo”, que “não prezam pela liberdade de expressão”. Ora, isso é uma bobagem sem tamanho: é justamente a liberdade de expressão que permite tanto à Folha expressar a opinião que quiser em seu editorial, como às pessoas discordarem, criticarem e mesmo protestarem.

E além disso, se tais “democratas” são realmente favoráveis à liberdade de expressão, não deveriam posar de senhores da moral, querendo determinar “quem pode” e “quem não pode” criticar a ditadura brasileira.

Abaixo, “copio e colo” na íntegra o artigo do Eduardo Guimarães que trata justamente sobre as comparações entre Brasil e Cuba.

Libres del paredón

Fico impressionado com a criatividade dos argumentos de alguns de meus compatriotas que tentam determinar quem pode e quem não pode criticar período ditatorial da história de um país no qual todos nascemos sem que cada um tenha antes que dar “explicações” sobre quais as ditaduras que já condenou ou não publicamente.

Ora, sou brasileiro. Cresci num país mergulhado num regime no qual certa vez, quando garotinho, perguntei em voz alta à minha mãe num restaurante o que era “comunista”, e pouco tardou para ela ser convidada a se retirar comigo do estabelecimento.

Esse é o Brasil que não quero mais. Quero o direito de criticar aquele regime no qual apenas cresci, mas no qual brasileiros de todas as idades e classes sociais tiveram dissabores muito maiores do que o de terem que sair de um restaurante por terem assustado as pessoas em volta com uma simples palavra, então proibida. Uma palavra que poderia facilmente condenar qualquer um à morte.

Minha família não tinha nenhum comunista e nem amigos partidários de tal ideologia. Jamais me envolvi com política na juventude, quando a ditadura militar já agonizava. Porém, sempre percebi os sinais da falta de liberdade de pensamento ao meu redor, e era assustador.

Não tenho que responder se critiquei o regime cubano, e isso simplesmente porque não o vivi. Muitos que estiveram em Cuba dizem que o país é uma maravilha humanista e outros que é um inferno de opressão. Os indícios que tenho me dizem que o regime cubano não é nem uma coisa, nem outra.

Quando vejo contarem horrores sobre Cuba e depois verifico seus indicadores sociais superiores, e quando vejo que em cinco décadas o povo cubano não tirou o regime do poder, penso que as críticas e elogios àquele país são produtos muito mais de convicções sobre fatores que não necessariamente o fator Cuba.

Enfim: o regime cubano não é uma unanimidade de críticas como é, por exemplo, o regime do Chile sob Pinochet. E não me venham fazer contabilidades do número de mortos, como se a ditadura que mata menos pudesse ser chamada de “ditabranda”. Tudo depende de quantos se levantaram para lutar, e aqui no Brasil foram menos e em outras partes foram mais.

Seguramente o regime chileno matou mais do que o nosso e ainda influiu em seu congênere brasileiro, pelo menos na retórica, pois a “ditablanda” de Pinochet acabou virando a “ditabranda” da Folha.

Nem por isso todos esses que andam exigindo atestados de “crítico de todas as ditaduras” ostentam críticas à ditadura chilena em suas versões desse “currículo ideológico” inventado pelo jornalão paulista.

Como se vê, trata-se de uma estratégia usada para vedar críticas a um regime que todos vivemos por meio de alusões a regimes que nem a milionésima parte dos brasileiros conhece. É uma estratégia espertalhona que visa turvar o debate sério sobre aquele período sombrio de nossa história recente.

O que me espanta é gente que elogiou e até ajudou a ditadura do país em que vive chamar de cínico e mentiroso quem não criticou a ditadura de um país em que não vive. Os professores Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato pelo menos não emprestaram seus veículos para Fidel Castro levar prisioneiros ao “Paredón”.