Um ano atrás, eu recém havia lido uma matéria na BBC Brasil sobre o chamado “distanciamento social intermitente”, que consistiria num “revezamento” entre medidas de restrição e relaxamento de acordo com as taxas de contágio da covid-19, que poderia durar até 2022. Minha primeira reação à leitura foi: “bah, que exagero, em menos de um ano certamente já teremos vacina e/ou remédio, já que a ciência está priorizando o combate à pandemia”.
É bem verdade que em maio de 2020 eu já deveria “ter posto as barbas de molho”. Afinal, em março eu dizia “vamos ficar uns dois meses em casa e depois tudo volta ao normal”. Os dois meses passaram e tinha ficado óbvio que a coisa não passaria tão rápido assim… Mas demorar mais um ano já me parecia muito pessimismo. Dois, então, era coisa de catastrofista.
Agora, em maio de 2021, já acho bem otimista aquela previsão da matéria. Pelo menos em termos de Brasil. Afinal, mesmo que já exista vacina, moro em um país “governado” por Jair Bolsonaro. Onde todos os dias morrem milhares de pessoas por uma doença contra a qual já há uma vacina – mas que não chegou a braços suficientes porque o presidente fez de tudo por isso.
Exatamente um ano atrás, Aldir Blanc falecia, entrando na lista das muitas milhares de vítimas do genocídio pandêmico no Brasil. Como uma forma de homenagem, trabalhei em casa nesta terça-feira ouvindo diversas músicas compostas por ele. Uma das mais conhecidas é “O Bêbado e a Equilibrista”, que na voz de Elis Regina virou um hino informal da abertura política no Brasil do final da década de 1970.
Alguns de seus versos dizem muito sobre a época que vivemos (infelizmente, uma música de 1979 voltou a ser muito atual mais de 40 anos após seu lançamento).
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Se em março de 2020 eu achava que dois meses depois voltaria à vida normal, em maio de 2021 me pergunto até quando minha vida ficará paralisada. Também queria saber até quando chorarão tantas Marias e Clarisses, pela perda de tantas pessoas queridas, no solo do país que é um dos piores do mundo no combate à pandemia.
Afinal de contas, isso vai acabar algum dia?
Da mesma música de Aldir Blanc, destaco outros versos que, espero, digam o que acontecerá no Brasil num futuro muito próximo.
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A anistia de 1979, da qual “O Bêbado e a Equilibrista” virou um hino informal, foi “ampla, geral e irrestrita”. Ou seja, também foi usada para “livrar a cara” de torturadores e outros bandidos que agiram na repressão política da ditadura. Naquela ocasião, o “acordo” para redemocratizar o país consistiu no esquecimento dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro.
Agora são mais de 400 mil vítimas de um “governo” que insistiu em medicamentos comprovadamente ineficazes contra a pandemia e se recusou a comprar vacinas cedo. O número obviamente chegará a 500 mil e, quiçá, a um milhão.
Dessa vez não pode haver “anistia ampla, geral e irrestrita”. O Brasil não tem o direito de esquecer as vítimas do genocídio pandêmico.
E este 4 de maio se encerra com a notícia da morte do ator Paulo Gustavo, de 42 anos. Por uma doença contra a qual já existe vacina. Mais uma vítima de Jair Bolsonaro.
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