Nos últimos tempos tem-se falado muito sobre a necessidade da esquerda brasileira fazer uma autocrítica acerca de seu passado recente. A cobrança maior recai sobre o PT, maior partido brasileiro deste campo do espectro político.
Concordo que haja tal necessidade e inclusive lamento que a autocrítica praticamente não tenha ocorrido mais de três anos após o golpe travestido de impeachment em 2016 e a consequente eleição de Jair Bolsonaro para a presidência. Porém, há um outro ponto importante, sobre o qual pouco se fala: e a autocrítica dos liberais, quando será feita? Pois não podemos esquecer que eles têm a maior culpa pela situação atual.
Seu candidato na eleição presidencial de 2014, o então senador Aécio Neves (PSDB), foi derrotado por estreita margem. Tal resultado (48,36% dos votos válidos, contra 51,64% para a reeleita Dilma Rousseff) indicava que o PSDB, como principal partido da oposição, chegaria forte em 2018 para a sucessão de Dilma. Ainda mais que ela iniciaria seu segundo mandato com a economia claudicante e com a rejeição ao PT em uma crescente.
Porém, o PSDB e seus aliados optaram pelo caminho do golpismo. Um dia após o encerramento do processo eleitoral, já havia gente falando em impeachment e convocando manifestações (que começaram a ocorrer, ainda que pequenas, já no final de 2014), com pouquíssimas vozes oposicionistas manifestando contrariedade a isso. Em seu retorno ao Senado, Aécio prometeu oposição “incansável e instransigente” ao governo recém reeleito. E para completar, houve o pedido de auditoria nas urnas eletrônicas, insinuando uma fraude que a própria verificação provou não ter ocorrido – mas que contribuiu para não se virar a página de uma virulenta campanha eleitoral.
Tanto insistiram que o impeachment veio em 2016, com uma justificativa duvidosa: as tais “pedaladas fiscais”, que nunca tinham motivado a perda de mandato de nenhum governante anterior, agora eram “crime de responsabilidade”. Mas não foi apenas uma troca de presidente: a oposição se aliou ao vice-presidente Michel Temer e voltou ao governo “pela porta dos fundos” ao invés de esperar até 2018, quando provavelmente triunfaria nas urnas e entraria no Palácio do Planalto pela “porta da frente”, subindo a tradicional (e simbólica) rampa.
O resultado disso é que quem viria forte em 2018 virou “vidraça” por ter se tornado governo (por sinal, péssimo) antes da hora. Quem virou oposição – o PT e seus aliados à esquerda – foi também culpabilizado pelo desastre (“quem votou na Dilma votou no Temer”, lembram?). O resultado é que a soma de insatisfação com o irracional antipetismo nos conduziu à eleição (ainda que mediante o uso de incontáveis mentiras) de um sujeito que está jogando a imagem do Brasil na lama e nos envergonhando dia sim, dia também.
A esquerda – e em especial o PT – cometeu muitos erros, os quais nem vou elencar, por isso prefiro falar apenas da campanha eleitoral de 2018. Penso que o ideal teria sido o PT abrir mão de ser cabeça de chapa: alguém acreditava que deixariam Lula ser candidato quando condenaram ele sem provas justamente para prendê-lo e impedi-lo de disputar – e provavelmente vencer – a eleição? Mas, cometido o primeiro erro, e com Fernando Haddad concorrendo no lugar de Lula e indo ao segundo turno, penso que qualquer pessoa que diga defender a democracia deveria ter apoiado o petista incondicionalmente contra alguém que nunca escondeu sua admiração pela ditadura de 1964 e seus enojantes métodos. Sim, isso é um recado a Ciro Gomes (em quem votei no primeiro turno e que encerrada a primeira votação saiu de férias) mas também – e principalmente – aos autoproclamados liberais, muitos dos quais não hesitaram em apoiar Bolsonaro (que nunca foi liberal) e agora se dizem arrependidos e – incrivelmente – decepcionados com alguém que como presidente não está sendo nem um pouco diferente do que foi em 28 anos como deputado.
Quero muito a autocrítica da esquerda, sim. Mas quero ainda mais a da direita liberal, principal responsável por nos jogar no abismo atual.
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