Decime qué se siente

Antes da seleção da Argentina embarcar para a Copa do Mundo no Brasil, os jogadores Lionel Messi, Javier Mascherano e Ezequiel Lavezzi, além do técnico Alejandro Sabella, participaram de um anúncio televisivo das Avós da Praça de Maio, que há 37 anos buscam por filhos de desaparecidos na última ditadura argentina.

A referência de Messi não foi apenas para “arredondar”. Sob sua mais brutal ditadura, que matou e sumiu com cerca de 30 mil pessoas, em 1978 a Argentina sediou a 11ª Copa do Mundo. Em 2014, o Brasil organizou a 20ª Copa. De fato, são dez Mundiais de ausência. Há quase 40 anos as Avós buscam por seus netos, cujas mães deram à luz na prisão e depois foram assassinadas, com as crianças sendo entregues a orfanatos ou a famílias de agentes da repressão (que, não raro, eram os algozes dos pais biológicos dos filhos adotivos).

Quando da gravação do anúncio com os jogadores, as Avós já tinham recuperado a identidade de 113 netos. Pois na terça-feira, 5 de agosto, surgiu o 114º: Ignacio Hurban, um músico que inclusive já tocou em um evento das Avós, sem imaginar que fosse neto justamente da presidente da associação, Estela de Carlotto. Ignacio decidiu fazer o exame de DNA após assistir ao anúncio no qual Messi disse que sua avó o procurava há dez Copas. A mãe de Ignacio, Laura, foi sequestrada e assassinada em 1978, ano da Copa na Argentina; ao filho que esperava, pretendia dar o nome de Guido.

Na coletiva de imprensa das Avós, ao ser questionada sobre o que faria após encontrar o neto que procurava havia 36 anos, Estela de Carlotto disse: “seguirei buscando os mais de 400 que restam”. Depois, os presentes cantaram uma música num ritmo que conhecemos muito bem durante a Copa:

Milico decime qué se siente
Que hayamos encontrado un nieto más
Te juro que aunque pasen los años
Siempre los vamos a buscar
Porque ahora somos más
Las viejas van a brindar
Y los pibes con nosotros van a estar

Uma provocação aos genocidas, mas bem que poderia mexer conosco aqui no Brasil da mesma forma que o “hit” da torcida argentina na Copa mexeu. Afinal, em termos de reparação histórica e políticas de memória, a Argentina nos mete uma goleada muito maior que 7 a 1. Ano passado, andando pelas ruas de Buenos Aires e lendo jornais argentinos, pude ter uma ideia disso.

Uma de várias placas em memória de desaparecidos políticos em torno do mesmo prédio - todos trabalhavam nele.

Uma de várias placas em memória de desaparecidos políticos em torno do mesmo prédio – todos trabalhavam nele.

No jornal Página 12 de 03/06/2013, pequenos anúncios lembravam desaparecimentos que faziam aniversário naquele dia.

No jornal Página 12 de 03/06/2013, pequenos anúncios lembravam desaparecimentos que faziam aniversário naquele dia.

Para além das políticas oficiais de reparação e memória, a Argentina também já produziu belíssimos filmes sobre o período ditatorial e, em especial, acerca da questão dos bebês de identidades roubadas pela ditadura. Um deles é A História Oficial (1985), ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Outro excelente filme sobre o assunto é Cautiva (2004). Até o momento em que foi finalizado, 74 netos tinham sido localizados.

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