Aproveite mais e poste menos

Enquanto fotografava e postava, a pizza esfriava...

Enquanto fotografava e postava, a pizza esfriava…

“Braggie é a tendência para 2014 nas redes sociais”, dizem várias matérias de jornais e portais – nem sempre usando exatamente essas palavras, claro. O termo “braggie” tem um significado “curto e direto”: fotografia postada com o objetivo de causar inveja.

Antes de sair atirando pedra nos “exibidos”, é preciso refletir: quantas vezes também fizemos isso? A foto de abertura, tirada alguns meses atrás, não me deixa mentir: já postei “braggies” (é assim o plural dessa porra?). Mas, como diz a legenda, enquanto perdia tempo fotografando e compartilhando, a pizza ia esfriando… Não fosse a preocupação de mostrar a todos minha satisfação gastronômica, teria saboreado muito mais.

A partir da “pizza fria”, podemos fazer analogias a diversos outros casos. Por exemplo, agora é verão e muitas pessoas estão passando férias na praia. Oportunidade de descansar, se refrescar no mar e… Se exibir para todo mundo. Aí, quem ficou (literalmente) derretendo no Forno Alegre abria o Facebook e lá estavam inúmeras fotos de seus amigos “curtindo” a praia. O coitado lamentava por sua vida “desgraçada”, por estar na cidade nesse calorão, sonhando em inverter a situação: “logo será a minha vez de ir para a praia e postar muitas fotos, enquanto esses que lá estão já terão voltado”.

“Ir para a praia e postar muitas fotos”. Será que a pessoa quer realmente aproveitar a praia? Mais parece é que apenas está “mendigando curtidas”, querendo se sentir invejada. E não que esteja realmente aproveitando. O mesmo vale para quem vai à pizzaria e posta foto do prato (enquanto a pizza esfria), vai ao bar e posta foto do copo (enquanto a cerveja esquenta)… E nos shows então? O que mais se vê são pessoas que, ao invés de realmente desfrutarem do espetáculo, passam quase o tempo inteiro olhando para a tela de seus celulares e tablets, desesperadas para dizerem, naquele exato momento, que estão “curtindo muito” o show.

Diversas pesquisas apontam que redes como o Facebook e o Instagram causam depressão. O motivo é simples: é extremamente fácil passar aos outros a impressão de que temos uma vida “maravilhosa”, sem problemas, por meio de fotos bonitas e “felizes”. E então, alguém está solteiro e vê muitas fotos de “casais felizes”, está em casa numa sexta-feira à noite e se depara com uma foto dos amigos numa festa; está com fome e dá de cara com aquele belo prato de comida na tela; sofre com o calor na cidade e vê várias daquelas fotos (bem toscas, aliás) de “pernas estendidas” com o mar ao fundo… Vamos combinar que é difícil não nos sentirmos “inferiores”. Porém, ao invés de ir fazer algo melhor (ler um livro, por exemplo), tendemos a querer “competir” e postar fotos que causem “mais inveja”, mesmo que nem estejamos tão “felizes” na hora.

Por mais que pareça, uma fotografia não é cópia fiel da realidade. É apenas uma imagem, uma representação, obtida em um momento específico (uma foto do Olímpico Monumental, por exemplo, em breve nem mais representará algo realmente existente, visto que o estádio será demolido). E a imagem pode muito bem “maquiar” a realidade: já vi em várias páginas com fotos de Porto Alegre o Arroio Dilúvio aparecer “bonito”, sem os sacos de lixo e outros objetos (até mesmo geladeiras) que muitas pessoas jogam dentro dele. Assim como modelos sempre parecem “de cera”, sem imperfeições, graças à manipulação gráfica de suas fotos.

Assim, ao entrar no Facebook ou no Instagram e dar de cara com aquelas fotos “felizes”, lembre: o que você vê não é “felicidade”, trata-se apenas de uma imagem. Aquele “casal feliz” pode viver brigando por bobagens, a festa na qual foi tirada a foto cheia de pessoas sorridentes pode estar um porre, aquela comida pode estar fria ou sem gosto, e a pessoa que postou aquela foto na praia pode ter exagerado no sol sem passar protetor e em consequência estar com ardência no corpo inteiro.

Traduzindo: você, “perdedor” que se lamenta, pode tranquilamente estar num momento mais feliz do que os “vencedores”. E, melhor ainda, desfrutando dele sem a preocupação de precisar desesperadamente mostrar aos outros – ou seja, realmente aproveitando.

5 comentários sobre “Aproveite mais e poste menos

  1. O melhor comentário que eu li a respeito foi do Túlio Vianna. Não vou saber reproduzir tão bem, mas a ideia é que todo o mundo (ou quase) tira foto de viagem. Tenho trocentas fotos em praias guardadas nas gavetas ou nos arquivos do computador. Não acho que a pessoa esteja deixando de aproveitar por causa disso. Pelo contrário, pode até ser parte da brincadeira. E também não acho que seja nada tão novo, porque, como eu disse, as pessoas tiram fotos nessas situações desde que a fotografia se disseminou. E as pessoas também já mostravam as fotos pra outras pessoas, às vezes em sessões comentadas. A diferença é a instantaneidade, a possibilidade de já compartilhar com todo o mundo ali mesmo, na hora. E não vejo mada de muito mal nisso. Sei lá.

    • Novidade, de fato, não há nenhuma. Todo mundo tira fotos de viagem, e com as câmeras digitais elas se multiplicaram pois não há mais a limitação imposta pelo filme…

      Não acho que fotografar seja deixar de aproveitar (talvez tenha dado a entender isso). O que me chama mais a atenção é aquilo que considero “simbolizado” pela minha foto da pizza: muitas vezes, de tanto nos preocuparmos em compartilhar o momento, acabamos não desfrutando tanto dele como poderíamos, e/ou passamos a impressão de “momento incrível” (mesmo que, no meu exemplo citado, a pizza tenha esfriado e, portanto, não tenha o mesmo sabor).

      Como tu bem lembrou, as pessoas já mostravam as fotos para outras pessoas antes da existência de Orkut, Facebook, Instagram etc., e eu mesmo já fiz minhas “braggies” (quem estiver disposto a “dar uma geral” no meu Facebook encontrará várias :P ), da mesma forma que postei muitas fotos das viagens que fiz. A diferença é justamente a instantaneidade, o que acaba gerando essas situações de “inveja”, de comparação sobre “quem está mais feliz nesse exato momento”. O maior problema, mesmo, não é tanto a foto em si, mas as pessoas entrarem nessa neura de “preciso compartilhar fotos felizes também” por se sentirem “inferiores”, uma competição absurda que não faz o menor sentido – até porque existem inúmeras maneiras de ser feliz (eu, por exemplo, prefiro ficar em casa do que “ir pra balada”).

      No fundo, isso é um reflexo da competitividade extremada a que somos estimulados o tempo todo, nos mais variados aspectos da vida – dá pra discorrer um monte sobre isso. ;)

  2. Mas então, não sei se eu entendi errado o conceito, mas não acho que a foto da pizza seja uma braggie =P
    De resto, de acordo, as pessoas usam pra se exibir e tal. Mas, de novo, nada de novo. Nada diferente do que sempre se fez nas redes sociais heheh

    • Bom, talvez o braggie seja “relativo”: essa foto aí tem legenda irônica, informando que a pizza “esfriava”. Agora, imagina abrir o Facebook ou o Instagram com fome e dar de cara com essa foto, na sequência de uma outra que tinha postado pouco antes – uma taça de vinho que estava “dos deuses”… :P

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