Numa manhã de terça-feira, uma barbárie chocou o mundo e causou milhares de mortes tanto naquele dia como nos vários anos subsequentes. Foi em Santiago do Chile, em 11 de setembro de 1973 – há exatos 40 anos, portanto. O violento golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet dava fim ao governo de Salvador Allende e à tentativa de construir o socialismo de maneira distinta em relação a outros países: pela via eleitoral.
Os limites da “via chilena para o socialismo” já ficaram claros na própria eleição presidencial de 1970, quando Salvador Allende foi o mais votado, mas sem o apoio de mais da metade do eleitorado: obteve 36,6% dos votos, contra 34,9% do conservador (e ex-presidente) Jorge Alessandri. A decisão ficou nas mãos do Congresso, que elegeu Allende em 24 de outubro: o novo presidente tomou posse no dia 4 de novembro com o desafio de promover a transição ao socialismo sem contar com maioria parlamentar.
O plano de governo da Unidade Popular (coligação de partidos de esquerda pela qual Allende foi eleito) combinava políticas econômicas de caráter socialista (como a estatização de áreas estratégicas da economia) com outras que visavam à redistribuição da riqueza de forma a reativar a economia do país. Algumas das medidas tiveram grande apoio parlamentar, como a nacionalização do cobre; porém, não agradavam aos Estados Unidos, visto que empresas estadunidenses que exploravam o minério no Chile tornaram-se devedoras de grandes cifras ao Estado chileno (em 1975, já sob a ditadura de Pinochet, o governo “indenizou” uma das mineradoras).
Colocar os interesses nacionais acima daqueles defendidos pelos Estados Unidos fez com que não tardasse para o Chile começar a ser “sufucado” pela via econômica: o governo estadunidense, chefiado por Richard Nixon, “investiu” milhões de dólares para desestabilizar o país, promovendo desde greves patronais (“locautes”), até financiamento de grupos terroristas de extrema-direita (como o Pátria y Libertad) que contribuíram sobremaneira para o aumento da violência política no país. Porém, nas eleições legislativas de março de 1973, a UP aumentou sua base parlamentar (embora ainda fosse minoritária), impedindo que a oposição obtivesse dois terços das cadeiras e assim pudesse dar andamento a um processo de impeachment contra Allende, faltando três anos para o término de seu mandato. Assim, podemos dizer que ambos os lados perderam: o governo não tinha maioria para aprovar seus projetos, e a oposição não tinha como derrubar Allende.
As Forças Armadas chilenas tinham certa tradição constitucionalista, porém, em 29 de junho houve uma primeira tentativa de golpe militar, o chamado Tancazo. O levante fracassou, mas ficou claro que não se podia descartar a derrubada do governo pela força, dada a impossibilidade de fazê-lo pela via institucional. O comandante do Exército, general Carlos Prats, defendia a lealdade à Constituição, mas após uma manifestação de esposas de generais defronte à sua casa, e com pouco apoio de seus comandados, renunciou e recomendou o nome do general Augusto Pinochet, considerado “apolítico”, para substituí-lo. Allende atendeu à recomendação e, em 23 de agosto de 1973, nomeou Pinochet.
Sabendo que dificilmente conseguiria concluir seu mandato (que se encerraria apenas em novembro de 1976), Allende decidiu convocar um plebiscito quanto à sua continuidade na presidência: com isso, provavelmente seria derrotado e renunciaria, mas ao mesmo tempo derrotaria os defensores de um golpe militar.
Porém, como sabemos, o plebiscito jamais foi realizado. Apenas 18 dias depois de ser nomeado, o novo comandante do Exército, Augusto Pinochet, traiu seu chefe liderando um dos mais violentos golpes militares que a América já viu. Enquanto aviões bombardeavam o Palácio de La Moneda, sede do governo, lá de dentro Allende fazia seu último pronunciamento anunciando que não renunciaria, como exigiam os militares; pouco depois, para não se render a eles, cometeu suicídio.
Naquele 11 de setembro de 1973, uma terça-feira, o país que era um dos mais estáveis da América do Sul ingressava em uma cruel e assassina ditadura, que só teria fim em 1990. Sob a mão de ferro do general Augusto Pinochet, o Chile tornou-se “laboratório de testes” para o neoliberalismo, detonando o mito de que liberalismo econômico e democracia são sinônimos: ao contrário, os defensores da “mão invisível do mercado” põem o lucro acima de tudo, inclusive da democracia.