Hoje não foi o meu dia

Pela manhã, ouvi no rádio que hoje era o Dia Nacional do Homem. E descobri que existe também um Dia Internacional do Homem, celebrado a 19 de novembro: o Brasil só resolveu “adiantá-lo” em quatro meses e quatro dias.

A origem do Dia do Homem é bem interessante. Trata-se de uma data que tem dentre seus objetivos alertar para os riscos à saúde masculina. Algo que, de fato, faz todo o sentido: basta reparar nas estatísticas, que sempre apontam uma expectativa de vida maior para as mulheres. Pois “machões” que somos, temos a tendência de acreditar que somos invencíveis. Como bem disse o Sakamoto, “o sentimento de invencibilidade masculino encurta a vida (‘Eu sou fodão! Nada me atinge!’) e o orgulho de macho besta (‘Prefiro morrer do que deixar alguém enfiar o dedo onde não é bem-vindo!’) leva mais cedo à sepultura”.

Porém, acho muito mais adequado que o dia seja expressamente voltado à saúde masculina, ao invés de dizer que é “do homem”. Pois não tem nada de “igualdade” em haver datas dedicadas às mulheres e aos homens: o Dia Internacional da Mulher existe não para presenteá-las, mas sim por conta da histórica desigualdade de gênero, a qual ainda não foi superada. Por que um Dia Internacional do Homem? Para reclamarmos de que em média ganhamos mais do que as mulheres para fazermos exatamente o mesmo serviço? De que em caso de estupro a culpa será da vítima por ter nos “provocado”?

Alguém pode lembrar, porém, que o machismo prejudica também aos homens, e assim faria sentido que houvesse uma data para nos manifestarmos. É fato: o “padrão” é que sejamos agressivos, fortes, insensíveis etc., em oposição às características ditas femininas, mais “delicadas”. Aí, como já disse, quando sentimos uma dor forte, nos recusamos a procurar atendimento médico pois somos “machos” e vamos “aguentar firme”; o resultado disso é: as estatísticas não mentem. Quanto à sensibilidade, se diz que demonstrações de afeto são “coisa de mulher”, mesmo que nós também tenhamos nossas emoções: preferimos dar a entender que elas não existem, pois somos “fortes”. Sem contar a estúpida exigência (que não é uma lei, mas socialmente é muito forte) de que sejamos os “provedores”, que faz serem malvistos os homens que ganham menos que suas companheiras.

Ainda assim, não faz sentido que haja um Dia Internacional do Homem por conta disso. Em primeiro lugar porque, enquanto gênero, o homem é o opressor. Obviamente nem todos são “ogros”, machistas, mas é preciso reconhecer que somos parte do problema. E se queremos deixar de ser opressores e, principalmente, que não haja mais opressão, devemos estar ao lado do grupo oprimido.

Na questão de gênero, trata-se das mulheres, cuja luta já tem uma data-símbolo: 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Assim como os dias que simbolizam o combate a outros preconceitos também fazem homenagem às vítimas (negros, índios, homossexuais etc.), não aos algozes. Não faz sentido que nós, homens brancos heterossexuais que somos contra machismo, racismo e homofobia tenhamos um dia “nosso” para nos manifestarmos contrariamente a tais discriminações: temos é de nos juntar aos oprimidos que, repito, já têm datas que simbolizam suas lutas.

4 comentários sobre “Hoje não foi o meu dia

  1. “Em primeiro lugar porque, enquanto gênero, o homem é o opressor.”

    Apesar da opressão feminina e o privilégio masculino serem visíveis em várias áreas da sociedade, creio que essa idéia de “mulher é oprimida, homem é o opressor” é um pouco simplista. Creio que na realidade ambos homens e mulheres são oprimidos – mas de modos diferentes – pelas relações sociais tradicionais.

    Por exemplo: Mulheres ganham menos que homens pelo mesmo trabalho. Por outro lado, homens tendem a exercer funções mais perigosas (homens representam a vasta maioria das mortes e acidentes no trabalho), e em larga parte não se beneficiam dos salários melhores pois ocupam uma posição de “provedor” na maioria das famílias e relacionamentos (algo ofensivo e prejudicial pra ambos homens e mulheres).

    Mulheres tem sua liberdade sexual regulamentada por padrões machistas, aquilo que chamamos de “slutshaming”. Homens também, mas de forma reversa: Enquanto existe pressão social para as mulheres evitarem o sexo, existe pressão social para o homem ser “o pegador”, algo especialmente nocivo à jovens tímidos. Enquanto “galinha” é um insulto para a mulher (e não para o homem), “virgem” é usado como um insulto aos homens (e não à mulheres).

    Enquanto mulheres são forçadas a “cuidarem da casa e das crianças”, homens que querem ter mais contato com os filhos e serem mais carinhosos são separados da família. Mulheres são proibidas de não serem maternais e carinhosas, homens são proibidos de serem carinhosos. Como você mesmo diz: “Quanto à sensibilidade, se diz que demonstrações de afeto são “coisa de mulher”, mesmo que nós também tenhamos nossas emoções: preferimos dar a entender que elas não existem, pois somos “fortes”.”

    Enquanto homens ocupam a vasta maioria das posições de poder na sociedade (a maioria dos políticos, grandes empresários, grandes cientistas, etc); o inverso também é verdade: Homens ocupam a maioria das posições completamente sem poder. Homens são a maioria dos presos, a maioria dos moradores-de-rua, a maioria das vítimas da guerra (por motivos óbvios), etc. O motivo é simples: Uma sociedade patriarcal implica que apenas homens podem ser César, e logo apenas homens estão na competição para ser César. O problema só pode existir UM César, mas existem milhões de homens. Para cada César existem um milhão de legionários morrendo em seu nome e outros milhões de soldados lutando contra ele.

    Sugiro a “Segunda Lei De Newton Para Os Gêneros”: Cada relação social que oprime um gênero causa um efeito de similar intensidade mas sentido oposto no outro. Se homens se organizassem de uma forma a se opor à opressão machista e patriarcal que também sofrem, em apoio ao feminismo e de certa forma o completando, creio que um “Dia do Homem” seria bem merecido.

    • Claro que quando falo em opressão de gênero, generalizo. Há mulheres e homens que são oprimidos por mulheres, e a recíproca é verdadeira. Assim como há mulheres que conseguem ser mais machistas que muito homem metido a machão.

      Quanto aos tipos de trabalho realizado por ambos os sexos, o que “justificaria” a diferença na remuneração, questiono: por que mulheres não podem realizar tarefas consideradas “de homem”? Não esqueçamos, por exemplo, que até não tanto tempo atrás eram poucas as mulheres que dirigiam, e ainda hoje são alvo de preconceito (quantas vezes alguém faz uma cagada no trânsito e nos outros carros os motoristas homens começam a dizer “só pode ser mulher”?).

      E quanto aos prejuízos que o papel atribuído ao homem em uma sociedade machista causa aos próprios homens, concordo totalmente. Também somos vítimas da opressão de gênero. E por isso não devemos apenas “apoiar” o feminismo, temos é de NOS UNIR às mulheres, que combatem contra o mesmo inimigo que nós – ou seja, o machismo. Logo, não acho necessário um dia para os homens: prefiro a luta simbolizada pelo 8 de março.

  2. “Quanto aos tipos de trabalho realizado por ambos os sexos, o que “justificaria” a diferença na remuneração, questiono: por que mulheres não podem realizar tarefas consideradas “de homem”? ”

    Se dei a entender que as diferenças nos tipos de trabalho “justificam” a diferença na remuneração, devo ter me expressado mal. O que queria dizer é que os homens no geral (ou pelo menos os homens da classe trabalhadora) não se beneficiam das relações desiguais no trabalho. Lógico que nenhuma tarefa deveria ser arbitrariamente considerada “de homem” ou “de mulher”.

    “Também somos vítimas da opressão de gênero. E por isso não devemos apenas “apoiar” o feminismo, temos é de NOS UNIR às mulheres, que combatem contra o mesmo inimigo que nós – ou seja, o machismo. Logo, não acho necessário um dia para os homens: prefiro a luta simbolizada pelo 8 de março.”

    Exato, homens devem se unir à causa feminista, não apenas em solidariedade às mulheres mas também buscando a própria libertação. A minha idéia é que imaginar o feminismo com uma causa “das mulheres” é contra-produtivo, pois ignora a opressão particular que homens também sofrem devido ao machismo e o papel que homens podem desempenhar ao se unir à causa feminista. Por isso digo: Se os homens se unirem à causa feminista para participar da libertação dos dois gêneros, então talvez um “Dia do Homem” (um “8 de março masculino”, por assim dizer) seja merecido, já que homens também fazem parte da luta simbolizada pelo 8 de março.

    • Aí é que está: o feminismo não é uma causa “das mulheres”. Não é a luta “das mulheres” contra o machismo, e sim de todos nós contra a opressão de gênero. Por isso o 8 de março “me representa” mesmo que eu seja homem: é o Dia da Mulher, mas também é a data que simboliza a luta contra o machismo.

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