O que me dá vergonha de ser gaúcho

Espaços para comentários sem moderação, principalmente em matérias da “grande imprensa”, têm uma incrível tendência à baixaria e a demonstrações das piores características de quem comenta. É assim em textos sobre política, cultura, e principalmente, sobre futebol.

Pois bem: hoje, o Esporte Espetacular apresentou uma reportagem sobre o famoso jogo entre a Seleção Gaúcha e a Seleção Brasileira, realizado no Beira-Rio em 17 de junho de 1972. Tem algumas coisas bem interessantes na matéria: a Globo chamou jogadores que disputaram a partida, como Paulo Cesar Caju, Rivellino e Claudiomiro; também apresentou algumas imagens do jogo. Porém, senti muita falta de outras, como uma melhor análise do contexto da época (não só futebolístico, como também político): como não estava com vontade de escrever tudo de novo, recomendo o texto que escrevi logo após o 40º aniversário da partida.

Mas, se a matéria tem seus problemas, terrível mesmo é ler os comentários sobre ela. Um texto lembrando um jogo que se fosse proposto nos dias de hoje (desde então nunca mais a Seleção Brasileira enfrentou algum combinado estadual), pareceria ideia de O Bairrista, só podia resultar em… Bairrismo explícito nos comentários.

Aliás, antes fosse simplesmente bairrismo. Na citada matéria, um dos raros comentaristas sensatos disse que a overdose de comentários “gauchamente orgulhosos” fazia ele sentir vergonha de ser gaúcho. Resultado: os “gaúchos melhores em tudo” começaram a xingá-lo e dizer que ele deveria “ir embora” do Rio Grande do Sul.

A verdade é que o tal de “orgulho gaúcho”, alicerçado na crença absurda de que somos “os melhores em tudo”, já começa a ser mais do que bairrismo, se tornando ufanista e mesmo xenófobo. Não por acaso, para muitos que compartilham dessa visão (e que inclusive comentaram na reportagem da qual falei) o Rio Grande do Sul deveria ser um país independente, por ser “tão diferente” (leia-se “tão melhor em tudo”). Como se a principal característica do Brasil não fosse justamente a diversidade, ainda mais por suas dimensões continentais.

E a chuva de “vai embora” pro cara que criticou o bairrismo e disse ter ficado com vergonha de ser gaúcho me fez lembrar da famosa frase ufanista “Brasil: ame-o ou deixe-o”, dos tempos da ditadura militar: qualquer um que tenha o mínimo conhecimento de história sabe que o “amor pelo Brasil” na expressão correspondia, na verdade, a não criticar o regime. Quem o fazia, era “traidor da pátria” – assim como os que criticam o bairrismo exagerado viram também “traidores”.

Alguém pode argumentar que o “orgulho gaúcho” é muito diferente do “Brasil: ame-o ou deixe-o”, por não ter um regime autoritário por trás. Porém, há uma certa imprensa (que inclusive apoiava a ditadura militar) o insuflando, ao transformar gaúchos em referências sobre qualquer acontecimento no mundo – mesmo que na hora ele esteja a mais de mil quilômetros de onde o fato ocorre. Pois ver um naufrágio na costa da Itália ser transformado em “drama gaúcho” é de se finar de rir (e certamente tem muita gente rindo de nós por conta disso), mas há quem leve isso muito a sério e realmente acredite que o Rio Grande do Sul é o centro do universo.

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Atualização (07/08/2012, 23:07). O leitor Causlos deixou um comentário que corrige uma informação errada – a correção virou novo post.

26 comentários sobre “O que me dá vergonha de ser gaúcho

    • Verdade, e segundo a Wikipédia a última vez que a Seleção Gaúcha enfrentou a Seleção Brasileira foi em 19 de janeiro de 1983, quando tomou 4 a 1.

      O “jogo do Falcão” aconteceu em 25 de maio de 1978, portanto faltando uma semana para o início da Copa do Mundo na Argentina, e o técnico Cláudio Coutinho foi bastante hostilizado pela torcida, segundo o vídeo mais abaixo (curiosamente, ele era gaúcho de Dom Pedrito, embora tenha ido morar no Rio de Janeiro com apenas quatro anos de idade).

      Valeu pela informação! :D

  1. Parabéns pelo texto… Semana passada fiz um texto sobre o bairrismo exagerado e quase fui morto no Facebook. Pelo menos não sou o único. hahaha

  2. Mas tu é um desnaturado mesmo meu jovem, deve ser paulista se não é uma pessoa muito da mesquinha. Só pensa no que teus antepassados passaram pra tua terra ser livre e tu teres maior orgulho ainda dos teus conterranios, mas é um babacão que baba ovo de imprensa brazileira. Mas do mais eu gostei da tua prosa.

  3. E a capa destes dias, que dizia que o sedentarismo matava tanto quanto o fumo…só foi capa porque a pesquisa internacional que chegou a tal conclusão foi coordenada por um gaúcho. Tenho tido a mesma percepção que vc e me angustia ver onde isso tudo vai parar, o próprio O Bairrista, que eu via como um grande deboche à este ufanismo gaudério me parece que foi percebido exatamente como exaltação deste comportamente provinciano, ao contrário do seu propósito de crítica (comprado pela imprensa ufanista).

      • Pedro, na metade final do comment, matou uma charada que 1% dos gaúchos dão-se conta.
        Coceira no cérebro desses 1%, tenho certeza.

    • Sim! Eu também percebi isso. De humor, virou exaltação.

      Uma vez eu caí na bobagem de fazer uma piada, nos comentários a uma postagem deles, sobre a superioridade da beleza da mulher gaúcha. Foi o primeiro texto do Bairrista em que eu percebi que não havia humor, era um discurso, mesmo, no máximo uma piada interna entre quem acredita naquela ideia.

      Eu estava no aeroporto, matando tempo (e eu escrevi aquilo tão despretensiosamente que hoje, depois de ter conhecido a reação, eu sinto um pouco de vergonha por eu mesma, pela minha distração e ingenuidade ao fazer uma piada logo com o ego gaúcho), então, cerca de dois dias depois, quando eu entrei no FaceBook novamente, um amigo me dizia para eu olhar a que ponto chegou o comentário que eu fiz.

      Bom, era uma situação absurda, era a postagem com o maior número de comentários na fanpage (um número que não se vê nem em comentários das matérias mais polêmicas do G1), todos altamente agressivos e os argumentos eram daquele brilhantismo de fanático, como “isso é inveja”, “tu deveria ser banida do RS”, “tu deve ser uma das mulheres feias de outro estado”, tudo em frases e palavras tão violentas que eu fiz questão de esquecer.

      Eu me senti num grupo de loucos (não de malucões, mas louco do tipo que tem doença mental, mesmo).

  4. Entendo que o negócio é mais ou menos o seguinte: tem um pessoal influente do centro do país que procura se apropriar, com exclusividade, do que entende ser algo como a essência do ser brasileiro. Ser brasileiro é ser como eles. Quanto aos demais… Por exemplo, eles incluem os nordestinos nessa parada unicamente de forma folclorizada (carnavais e festas juninas infindáveis, por ex.). Vejam bem, os nordestinos, que mais brasileiro não podem ser. Por outro lado, eles não sabem bem como lidar com os gaúchos, e por extensão, com o pessoal da Região Sul. Me ocorre que uma das razões pode estar associada às condições da formação da população local, que embora naturalmente influenciada pela grande produção da indústria cultural do centro do país, tem processo autônomos, culturais e sociais bem encaminhados. Isso os confunde.
    Só que os gaúchos sentem a situação e respondem da pior maneira, através de uma auto-valorização ridícula, ingênua, acrítica, que simplesmente expressa o baixo nível educacional a que chegamos. Os comentários são da pior espécie. Que povo educado do mundo se auto-elogiaria, como fazem uns gaúchos que leio, sem ser humor? Creio que nenhum. O gaúcho teria que comer quieto, ter uma atitude mais inteligente, na medida do possível levar no humor e procurar, mediante práticas sociais efetivamente diferenciadas, se firmar como uma sociedade de valor. Isso é o que importa.

    • Super concordo, também já vi muito disto, “tem um pessoal influente do centro do país que procura se apropriar, com exclusividade, do que entende ser algo como a essência do ser brasileiro. Ser brasileiro é ser como eles”.

      Concordo também sobre os processos e vivências culturais autônomos e independentes de Rio/SP, é verdade que o RS busca isso e tem sucesso nisso. Mas Curitiba, por exemplo, assim como outras cidades do interior do Paraná, têm essa mesma característica e não hostilizam ninguém, não usam disso para outro fim senão a própria experiência, a própria vivência e a própria diversão.

  5. Pingback: Brasil versus combinados regionais: errei | Cão Uivador

  6. Quem tem cultura e identidade forte é natural que se afirme perante outros povos… se era RS x BR, ora bolas, pra quem vcs torceriam?

    • Como diz o ditado, “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”. Neste texto não falei sobre o comportamento da torcida no jogo de 1972 (lê o texto que indiquei, e vai entender melhor o que quero dizer), e sim, sobre esse bairrismo ufanista, quase xenófobo.

    • Entre viver uma cultura local (o que todos os locais vivem, aliás, eu não sei de onde os gaúchos tiraram que só o RS tem cultura local) e acreditar na mentira coletiva de que a sua cultura local é melhor que as outras e faz de seu participante superior, existe uma diferença que há de ser muito ignorante para não querer perceber.

  7. Mas há um autoritarismo por trás. É o autoritarismo do pensamento único, que não apenas alimenta ufanismos como esse, como também à repulsa por qualquer opinião divergente.

  8. SIRVAM NOSSAS FAÇANHAS, DE MODELO A TODA A TERRA, seu paulista de merda!!!
    Vai pro brazil seu lixo!!
    Graças a Deus que a cada palavra tua nosso BAIRRISMO so aumenta, seu paga pau de brazileiro!!!

  9. Eu sinto dessa vergonha triste de ser gaúcha quando o bairrismo se manifesta. Adorei ler seu texto.

    O bairrismo do gaúcho é um excesso de amor próprio somado com desconhecimento da própria história (e da formação forçada da tal identidade regional), além de xenofobia, como as pessoas podem sentir orgulho dessas coisas?

    Mas não basta pra ser livre ser forte, aguerrido e bravo, povo que não tem noção acaba por ser escravo (do próprio ego e do próprio ódio).

  10. A tragédia de Santa Maria tem solidarizado todo o Brasil. O Banco de pele humana de Pernambuco doou peles para queimados, São Paulo também irá doar algo além de campanhas por todo o país com doações de remédios, mensagens de solidariedade, etc, enfim o Silva de lá é humano e não um explorador contra o gaúcho, apenas um brasileiro que vive em outra região de mesmos sonhos, de mesmos sentimentos e até de sobrenome igual.

  11. Oi, sou do Maranhão e sou torcedor do Gremio.
    Na verdade amo muito meu time, já fui até Porto Alegre só pra ver o tricolor jogar e fico meu sem jeito com a atitude da torcida em repudiar o Hino Nacional, ora vaiando, ora cantando o Hino do Rio Grande do Sul.
    Acho muita falta de respeito com os outros gremistas que não são gaúchos…
    Sei que é difícil mudar a cabeça das pessoas, mas se tem uma coisa que eu tenho aprendido é se colocar no lugar dos outros.
    Não entendo a tamanha raiva por ser e fazer parte do Brasil…
    Abraço

    • Penso o mesmo.

      Aliás, essa atitude deles é tão BURRA, que não percebem que se o RS fosse separado do Brasil o Grêmio teria muito mais dificuldades para contratar bons jogadores, pois os nascidos em outros Estados (por exemplo, JARDEL) seriam estrangeiros…

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