Pobre História…

A Rede Globo inicia, no Fantástico deste domingo, um quadro sobre a História do Brasil, cujo maior protagonista é o jornalista Eduardo Bueno, o “Peninha”.

O Luiz Carlos Azenha foi direto: o Brasil é o “país da piada pronta”. Disse que é capaz da Globo dizer que foi uma das vítimas da ditadura militar…

Mas é muito fácil criticar o Peninha. Afinal, ele escreve seus livros numa linguagem fácil, acessível ao “grande público” (as aspas são devidas ao fato de que o “grande público” não representa a maioria dos brasileiros, esta não compra livros porque são muito caros). Por conta disso, o Peninha é uma das maiores “autoridades” em História do Brasil. Os historiadores de verdade, que passaram anos estudando (graduação, mestrado, doutorado etc.), são deixados de lado.

E eu sei explicar bem o motivo, afinal, faço faculdade de História e não sinto remorso de dizer: nós, futuros historiadores, lemos bastante (o que é bom), mas nossas leituras muitas vezes são chatíssimas, mesmo para nós (o que é muito ruim).

Consiga um livro de um historiador, preferencialmente algum de formação recente. Uma tese sobre um tema especificíssimo, muito comum hoje em dia. Que tenha bastante discussão teórica, com o autor citando as opiniões de muitos outros e nunca expressando a sua. Se esforce para ler até o fim.

Faça isso e então você entenderá porque o Peninha é tão lido.

Eu não quero ser o Peninha, mas também não quero escrever livros chatíssimos que quase ninguém terá paciência de ler. Não que eu só pense em dinheiro – claro que ganhar dinheiro fazendo o que gosto é melhor, mas não é tudo.

O que mais me interessa é que nossa História seja acessível a qualquer um, que seja escrita de maneira crítica, mas que qualquer leitor entenda, não só meia-dúzia de acadêmicos. Enquanto os historiadores continuarem escrevendo numa linguagem que é um porre, o público “leigo” continuará lendo os Peninhas da vida.

10 comentários sobre “Pobre História…

  1. Acho normal que historiadores critiquem o Peninha, mas mais pelo mérito dele do que pelo seu conhecimento histórico. Afinal de contas, ele conseguiu ser, ao mesmo tempo, um historiador-escritor bastante lido (“mas nossas leituras muitas vezes são chatíssimas, mesmo para nós”) e um personagem carismático, coisa que poucos historiadores conseguem.

    Infelizmente, a “elite” intelectual teima em torcer o nariz para tudo aquilo que, fazendo parte do seu campo de estudo, consegue se popularizar. É o mesmo que acontece com a arte (música, cinema, artes plásticas, literatura), ao menos me parece bastante.

    Acho louvável aproximar a história do “grande público”, mesmo sendo no Fantástico.

  2. “…esta não compra livros porque são muito caros…” Discordo. A maioria dos brasileiros não compra livros por que não sabe ler.

    Concordo totalmente na parte que você fala dos livros dos historiadores e os do Peninha. Isso tudo é questão de objetivo. O Peninha escreve livros para vender (puro e claro capitalismo…:)). Ele escolheu um público-alvo (e.g. classe média pseudo-letrada que gosta de história permeada de ficção) e investiu nesse público. Em contra-partida a pergunta que fica é: Para quem os historiadores escrevem seus livros? eu pessoalmente acredito que eles escrevem para eles mesmos duelando para ver quem conhece mais de um assunto e quem argumenta melhor sobre este. Quem sai perdendo somos nós pessoas comuns que aprenderíamos muito se fossemos o público-alvo destes.

    Abraço e DÁ-LHE GRÊMIO!!!

  3. Kleiton:
    Tenho colegas na faculdade que torcem o nariz para o Peninha, dizendo que o que ele escreve não é História. O que o Peninha escreve é História sim, mas de uma maneira que é mais fácil entender. Podemos não concordar com o que ele escreve, mas dizer que não é História é bobagem.
    Sobre o quadro no Fantástico, a questão é: haverá alguma referência ao apoio da Globo à ditadura? A História será colocada acima dos interesses corporativos?

    Guillermo:
    O que se vê nas universidades são acadêmicos que escrevem trabalhos pensando no que seus pares vão achar, sem a mínima preocupação com o leitor comum (que é alheio a todas essas discussões acadêmicas). E eles não têm nenhuma preocupação com o objetivo de seus trabalhos, para que (e para quem) servem…
    Claro que existem exceções, mas são exatamente isto: exceções.

  4. Acho que temos um sério paradoxo aqui… Porque ou o cara se populariza e é tachado como um escritor que só “escreve livros para vender”, ou o cara é um intelectual estudioso de história e só escreve livros “pensando no que seus pares vão achar, sem a mínima preocupação com o leitor comum”.

    Fica a pergunta: sendo assim, tem algum escritor que se salve?

  5. Kleiton:
    Todo escritor pensa em vender livros. Eu penso em escrever para vender, não nego isso. Adoraria fazer do que eu gosto o meu ganha-pão. Mas o próprio Peninha, que eu saiba, não vive exclusivamente da venda de seus livros sobre História.
    O que não dá, é para ser um intelectual estudioso de história (que é também uma ciência social, já que estuda as sociedades), mas isolado da sociedade.
    No último Simpósio Nacional de História, em São Leopoldo, houve uma conferência que levantou a questão: hoje em dia as faculdades simplesmente preparam os alunos para fazerem mestrado e doutorado, para seguirem uma vida acadêmica – da mesma forma que o segundo grau apenas prepara os alunos para o vestibular – ao invés de também ensinarem como aplicar os conhecimentos adquiridos para poder trabalhar fora da universidade.
    Não digo que a faculdade tenha de ser voltada exclusivamente para o “mercado de trabalho”, mas também não pode ser apenas “uma etapa” que invariavelmente conduza a mestrados e doutorados. Até porque é óbvio que nem todos os estudantes de graduação seguirão tal caminho.

    Abraços!

  6. “hoje em dia as faculdades simplesmente preparam os alunos para fazerem mestrado e doutorado, para seguirem uma vida acadêmica”

    Eu vivo o lado oposto da moeda… Sou um formando em Publicidade, e posso garantir que a Fabico (e quase todas as ditas “faculdades” de comunicação) tem uma estrutura técnica muito melhor que há 3, 4 anos, mas em termos de idéias, nada de revolucionário. Ou seja: na ânsia de formar alunos para “o mercado”, esqueceu que o diferencial está no conteúdo. Câmeras e estúdios não fazem de um bom aluno um bom profissional… Idéias sim.

  7. Kleiton: concordo totalmente com teu comentário.
    As faculdades não podem apenas prepararem os alunos para o mercado de trabalho. Mas também não apenas os prepararem para mestrados e doutorados. O ideal é um meio-termo. Se as graduações ficarem focadas apenas no “mercado”, acontece isso: nada de novas idéias.

  8. Os acadêmicos torçem o nariz para os livros do Peninha, pois se julgam a ” elite” intelectual. Teriam um grau de conheçimento e percepção superior ao dos ” reles mortais”, mas seu livros são realmente enfadonhos e incapazes de capturar o leitor por mais de 10 páginas. Por que? Narcisismo! Escrevem olhando apenas para seus umbigos dourados, querendo mostrar a seus pares que são mais ” doutos” que os demais. Quando surge algum autor que manda a acadêmia as favas e escreve para o público, aconteçe isso. Então eu digo aos Doutores da Acadêmia, tornem seus livros interessantes, deixem de lado seus ranços intelectuais, desçam de seus pedestais e os leitores olharão para voces. Enquanto isso, eu sigo lendo o Eduardo ” Peninha” Bueno.

  9. OS FILHOS DO EDUARDO BUENO
    Acho o Eduardo Bueno um herói, porque ele conseguiu duas coisas concretas:
    Passar uma visão meio popularesca mas bastante acurada de alguns episódios da nossa história; E PRINCIPALMENTE,
    Influenciar alguns historiadores “de verdade” para que esses escrevessem em português mais claro, se não pelo menos mais agradável. A coleção “Perfis Brasileiros” da Cia. das Letras é a maior prova; o único chato até agora é o sobre Rondon; que, aliás, foi escrito por um historiador americano de uma universidade da roça.
    A Isabel Lustosa escreve muito bem e tem verve e graça, o Francisco Doratioto bem, o José Murilo de Carvalho idem. O Bóris Fausto também consegue escrever direitinho quando faz um esforço; no mais, ficamos por aí.
    Acho que a origem disso (desculpe a meia piada) é histórica: no tempo em que os historiadores ainda eram amadores gente como Gibbon (que escreve muito bem) e a maioria dos ingleses era formada em Línguas e Humanidades, enquanto os nossos primeiros historiadores eram bacharéis em direito, como Sérgio Buarque de Hollanda – que, aliás, escrevia muito mal.
    A isso juntaram-se posteriormente duas pragas, a dialética marxista primeiro e o desconstrutivismo depois. Sem imunidade cultural, o historiador brasileiro contraiu formas ao mesmo tempo agudíssimas e crônicas de ambas as doenças, que só agravaram a condição original – agora ele se expressa em bacharelês dialético-desconstrutivista.
    As conseqüências disso são péssimas: primeiro, ninguém como um historiador brasileiro para estragar um bom episódio histórico ou um novo ângulo de um assunto antigo. Exemplo: “Geografia do Crime”, de Carla Anastasia, prometia muito (incluisive a possibilidade de abordar a carreira de Tiradentes como policial/soldado, o que ninguém ainda fez) – mas acaba em nada, só no mesmo blá-blá-blá. É como um livro policial danado de ruim: antes de começar a ler você já sabe quem foi o culpado. Aliás, os fatos históricos saíram todos do Diogo de Vasconcellos, um “amador” que pelo menos compilou todos os dados que os “historiadores oficiais” (ou pelo menos diplomados) vem usando. Infelizmente, o Diogo também escrevia mal – ou ao menos não teve até hoje um revisor competente, o que bem que ele merecia. O mesmo para a Laura Castello Branco, que tem ótimas idéias mas se expressa muito mal: por favor digam a ela que ela NÃO é o Carlo Ginzburg. É preciso ser um gênio para ser Il Professore.
    Isso traz ainda uma esquisita e mesmo engraçada inversão de valores: na Europa e nos EUA se um escritor ou jornalista tem uma abordagem nova sobre um determinado fato histórico, ele contata um historiador e os dois fazem um livro em co-autoria. Aqui o cara contrata um historiador por dez merrecas para coletar o material e põe tudo no papel do jeito dele – como você acha que o Fernando de Morais trabalha? OU seja: ao invés do jornalista ou do biógrafo ou do escritor viajante ser uma fonte do historiador – como acontece alhures – aqui é o historiador que vira fonte.
    Por isso eu – que não sou historiador apesar de adorar História, e hoje que tenho tempo e tranqüilidade não faço porque tenho preguiça mental de agüentar o curso e a inteligentsia chatza acadêmica, dou alguns conselhos tortos aos nossos ditos profissionais:
    Historiador de verdade não escreve para a Academia, escreve para o público. Ele até troca fofocas com os colegas em revistas científicas, mas na hora da verdade a obra tem de atingis a plebe menos ignara. Pergunte ao Niall Ferguson e ao Fukuyama.
    Historiador de verdade aborda um determinado período ou fato de um ângulo inédito; não vale importar uns ângulos de trinta em trinta anos e ficar marretando neles.
    Historiador de verdade escreve bem; do contrário vira fonte. A língua pátria é a ferramenta dele.
    Historiador de verdade é poliglota; carteirinha do PT não substitui o requisito.
    E, para sair do abstrato, proponho também algumas medidas concretas:
    1) Martirizar todo estudante ou professor de História que escrevesse “na ótica de Foucault” ou equivalente. As torturas podem ser retiradas do “Vigiar e Punir”, para dar um toquezinho de crueldade.
    2) Construir em cada Universidade uma estátua ou um altar para o Professor Barry Smith e os outros 17 de Cambridge (minha alma mater – eba!) que botaram ventilador na farofa do Jacques Derrida em 1992, quase interrompendo a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao Derri.
    3) Obrigar todo historiador a ler o próprio livro de cabo a rabo cinco vezes antes de publicar. Se ele não vomitar, podem dar o Imprimatur.
    FINALMENTE, HORROR DOS HORRORES…
    4) Transformar as editoras universitárias em fundações semiprivadas. Se dá certo em Harvard, Oxford e Cambridge…
    Enquanto isso, nesses dias em que a nossa Intelligentsia se ocupa em achar um novo ângulo para puxar o saco do Euclides da Cunha, vou dormir sonhando com o que a Dame Judith Binney poderia fazer com uma abordagem histórica do ponto de vista religioso com Canudos. É bom sonhar, não?

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